segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

(Mais uma) Passagem de ano

(Quando olho para a nossa cama vazia, vejo a minha cama cheia de memórias. De tempo. Oiço risos. Oiço beijos. Quero fugir dali - mas algo me prende. Será o teu fantasma, tua imagem, teu cheiro, teu gosto, sempre presentes em cada minuto, em todos os minutos da tua ausência? Nem sei.)

Paro à porta do quarto. Depois – lentamente - olho à volta. Deslizo o olhar pelas paredes fora. Reparo nas fotografias postas num velho quadro de cortiça pendurado que, pacientemente, aguarda a reforma. Recolho os olhares que sorriem através delas e guardo-os – sofregamente - na minha caixa de momentos privativa. É o que me resta, sabes? Os olhares das fotografias. Com cheiros e tudo. Depois – urgentemente - transporto-os comigo até ao bar mais próximo. É já ali, vês? Ali ao fundo! (E a caixa que me vai devorando...).

Passam horas sem passar. A espuma da cerveja evapora-se. E a celebrada espuma dos dias também. Mais um golo. Mais uma noite. E o pavor. E o pavor da noite. "Mais uma, se faz favor". E o cerco aperta. E a sede dói. "Mais uma, se faz favor".

Arrasto-me – agora mais lento - de novo para casa. Também arrasto séculos, também arrasto medos, também arrasto mil canções também lentas, também arrasto a estranha incerteza da cor dos teus olhos. (É que passou tanto tempo – sabes? - e eu nunca te olhei com a atenção que devia). Olho para a nossa cama vazia. E encho-a de mais dores. E espalho-lhe em cima mais pétalas de um tempo que não passa nunca.

Deito-me com a saudade de ti, que me vai consumindo tanto. Demais. E sei que também morro - mais um pouco, sempre mais um pouco - de mãos dadas contigo. E tudo isto sem que tu dês, sequer, por isso.

Passou mais um ano. O mundo roda. Festeja-se. Eu? Eu adormeço. Abraçado às infindáveis memórias de ti.
______________________________
PS - Este é o meu último texto neste blogue, já que hoje apresentei o meu "pedido de demissão" ao Tiago. Deixo os meus sinceros votos de bom ano, boa escrita, boa Arte e... a gente vê-se por aí! Um abraço a todos. Rui

Vagueando

Estava vento e os cabelos dela balouçavam com a brisa, deixando um rasto dourado a cada ondulação.
Parou frente ao mar e sentiu a água gelada molhar-lhe a ponta dos pés.
Já não havia dor nem reacção naquele corpo... Apenas um desejo louco de vaguear... Vaguear num Mundo onde a sua existência fosse mera passagem de uma vida.

Fotografia de Scoya @ Praia de Leça da Palmeira
Modelo: Diana

BOAS ENTRADAS EM 2008

De Perfil

Sacudo a cabeça
e tiro este véu rendilhado
que me cobre a face
ofereço-te assim
meu sorrir
solto de ironias
meu corpo sequioso
de paixão
qual labareda
que consome tudo ao seu redor
quero amar sem reservas
e fazer-te feliz
nem que seja um instante
ou uma eternidade
que se sacia
nesta lava
de desejo…





© Piedade Araújo Sol



domingo, 30 de dezembro de 2007

A IDADE SEM NOME

Escancaram-se as volúpias do momento, por ânsias que estilhaçam em mensagens curtas, nos beijos adiados, onde se alojam memórias tácteis, aquelas que esqueci o nome sem nome, a idade absoluta do sentir. É tão efémero o tempo, a sua dor acontece nos resquícios da ausência universal por uma sucção flutuante, onde a postura é uma sombra indefinida, essa a que chamas de idade sem nome.
A idade sem nome traça uma outra viagem, esconde-se entre as imagens dos últimos graus, sem fronteiras, talvez no jogo da multiplicação e dos nomes que se desconhecem. Levantam-se questões, alteram-se perspectivas, somam-se ilusões e a ética fixa o pormenor e a moral separa, ajustando modos a uma mentalidade temporária… separamos então o que não nos parece bem. Surgem títulos, alguns úteis, outros nem por isso, as cores projectam-se na forma possível e os valores definem esferas circundantes, posturas e feições de regulação de sistema… este, onde nos encontramos. Os mecanismos reivindicam outras pulsões, sobrando como herança o movimento, esse que trata o advento da imagem. O gosto não passa de uma postura, o resto é um risco de utopias… a tua estampa-se na tua consciência.
A lista foi feita no outro dia, ainda estavas lá, ante o olhar vago, ante aquilo que tinha para te dizer e que não consegui… fugiste mas ficou a idade, essa sim, está contigo e será o teu fim! O meu parece perto… O tempo parece-me melancólico; entre as paredes verte um novo design, é o regresso do nosso regresso, onde se desenvolveram as relações da pintura por uma polissemia intimista, a nossa, quase filosófica.
O teu nome foi sempre influente no meu olhar, nunca te disse isso, mas penso que chegou a hora de o fazer… sobram as metáforas para te poder catalogar, talvez dar ordem ao que antes parecia desordenado. A desordem é por cada vez tão grande…!
Nunca entendeste o mito das linhas de montagem, a produção e a sua infinitude, aquele outro mais onde os mundos diferentes pareciam ser um, porque a banalização tomou-te por completo, ante os disparates de uma massa sem nexo, onde sorrias e caminhavas. Eu calei! Estranho não entender aquilo que tanto se pretendia… ainda pretendo o que não te digo, assim à tarde surgiu a noite e a noite conduz-me ao repouso físico, apenas a alma vagueia por tempos sem idade.
Dói-me a cabeça, sinto-a, sinto um pulsar diferente e as pulsões são como focos que parecem querer dizer-me o que não consigo entender, talvez nunca o venha a entender… estranho este momento de dor. Estranho! Não justifiques, aceita porque a declinação é uma viagem sem comunidade e apenas a opção é sempre um lugar solitário, como que um elemento conservativo, da esfera única, sem retrocesso. Não consegues esgotar a tradução do desejo, a musicalidade repousa nos seus modos, a sua chama confere a tonalidade sentimental, essa pela qual ficamos presos. Esfuma-se a verdade platónica pela outra interpretação, por laivos furtivos e desenraizados da torre do pecado, talvez o meu lugar, onde sou eu em modo solitário. Configuração de sentido pela morte que permeia o todo. O logos do espírito bebe de uma outra interpretação, na forma arquitectónica da linguagem, onde se absorve e se concebe o sentido, esse mesmo pelo qual é possível a união de algumas palavras por episódios de sonambolismo trágico, onde radica a verdade desconhecida, essa, onde te convido a um olhar retrospectivo, porque o aspecto sombrio ainda nos divide. Não me serve essa tagarelice e essa argumentação reduzida, os instantes estão frouxos e a parte incógnita do pensamento ordena a esfera íntima do ser, o momento da sua angústia paralisante, como alvo de infinito caminho… a idade sem nome.

Vila Franca de Xira, 30 de Dezembro de 2007 – 20:03h
Jorge Ferro Rosa, in Caderno da Alma

Tirem-me a madrugada dos olhos!

A noite é o momento mágico dos poetas...

A hora dos sonhos e dos sonhadores

que nada mais sabem fazer

quando se alimentam de escuridão

e de olhares invertebrados...

Que não param para pensar

no tempo que passaram

de pernas fechadas à curiosidade do mundo...

Roubam-se palavras ao silêncio

e a dor de um grito profundo

encontra um refugio na lágrima de um amor perdido

e chorado num poema

escrito com sal e pimenta.

Não há luz...

Talvez o luar seja uma opção

para o poeta esfomeado pelas estrelas...

É noite e tudo é realidade

na ilusão dos dias.

Fogem amantes dos seus ninhos...

Porque as asas queimam

e o voo é desejado

com as bocas em fogo.

É noite...

Tenho uma onda na garganta

dificil de engolir

e nos dedos rebentam-me palavras sem fim.

Quero gravar aquele amor sonhado

no meu cubículo de papel...

Quero lamber as gotas de mel

paridas nos seus corpos...

Porque a poesia está nua

e os poetas já perderam a pele...

É noite...

Tirem-me a madrugada dos olhos

que eu ainda não terminei de sonhar

e a minha noite tem alma de criança.





Daniela Pereira

Direitos reservados

Dia 31

Eram vinte e três horas quando Frank. acabou o concerto. Não tinha voz para o resto da noite. Sentia-se cansado. O espelho do camarim mostrava a imagem de um homem decadente. Aos quarenta anos, Frank já não tinha a resistência física de outros tempos. Aceitara abdicar da companhia da família naquela noite de fim de ano por amor à carreira de artista. Contudo, a pouco menos de uma hora da meia-noite, Frank começou a gerar dentro de si a ideia de que o seu corpo e a sua mente não conseguiriam aguentar mais aquela vida.

Sem dizer nada a ninguém, Frank empacotou a guitarra que usara durante o concerto dentro da mala do carro. Ainda perdeu uns breves minutos para observar o palco que o acolhera momentos antes. Não lhe dizia nada. O seu batimento cardíaco não se alterava nem um pouco. O que lhe gritava na cabeça era a família: a mulher, os filhos.

«Vem para casa», ouvia.

«Já vou, já vou…», sussurrava.

Especado a olhar para a estrada, com as mãos no volante, Frank sentiu uma indómita vontade de se enfiar na cama com uma chávena de leite quente e de nem sequer se despedir do ano velho.



Também aqui.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Parado no tempo

Sem motivação para se levantar da cama, deprimido, ressacado, um escocês de cinquenta e cinco anos abriu os olhos e, sentindo que os primeiros raios solares daquela manhã lhe afectariam a visão, tapou-se com os lençóis. Permaneceu coberto como uma criança durante largos minutos. Não estava acostumado a beber, a fumar ou a pagar a prostitutas para que dormissem com ele, no entanto, a sua vida actual dava-lhe acesso a alguns excessos.

A mulher trocara-o por outro homem mais novo e mais bonito.

Com algum esforço, o escocês levantou-se da cama. Doía-lhe o estômago. Bebera demasiado na noite anterior. Mas o relógio dizia-lhe que não se poderia demorar mais tempo naquele quarto de motel. Bebeu um copo de vodka. Vomitou. Lavou a cara. Pôs-se na rua.

Todo nu, de pé, com o queixo a apontar para o chão, o escocês reparou que tinha um preservativo cheio de esperma enfiado no pénis. Na sua cama, dormiam duas mulheres que pareciam irmãs gémeas.

Pôs-se na rua.

A imagem da esposa com outro homem não saía da cabeça do escocês. Precisaria de voltar a levar mais mil mulheres para a cama até esquecer a sua.

Arena vulgar




Ultimato à rigidez. Vocabulário incerto. Manhã sucessiva.


Se eu dissesse fechar os olhos. Se sentisse que os olhos se fecham e quando eu pedi para se fecharem sentisse o que teria sentido. Abro os olhos e não mais que meros tempos verbais. Ou não. Lá longe, ou melhor, sentir-Me lá longe, no ainda muito longe, muito para o além longínquo demais infinito, obriga-Me a imaginar.

Caminhava pé após pé seguindo o apoio em apoio até ao passo seguinte. A manhã era clara. Não mais que uma manhã azul, por causa da laranja que lentamente iluminava o imaginário. Não era sede que sentia, mas sim, a falta líquida da frescura. A manhã era clara e com ela o frio que a resumia a singularidade. Sim. Era uma manhã como muitas outras manhãs que sucedem a noite, fria como é normal. Acontecia-Me parar e mesmo assim era o impulso de continuar. Não era o pressuposto de chegar ainda mais longe, não era querer chegar mais além, não era estar longe do ponto de partida. Não houve início. Se sentisse a pergunta, diria que sim. Não tinha razões para negar. Tinha a consciência do estar-Se. Estava somente a andar. Se não sentisse nada, nada diria. Certamente no fim diria não, se não a tivesse imaginado. A resposta obtida, caminhar sem noção da pergunta. Noção de estar perdida. Não. Não imaginava um deserto. Era demasiado complexo para se resumir a um ponto. Queria desenhar no passado o passo que dava em frente… Imaginava-Me na reticência em pausa. É demais. Avançava pois em frente, avançava de mãos dadas no interior, era coração que assim mo dizia. Não tinha medo, porque nada esperava descobrir. Lembrava-Me a pergunta não a tendo como tal. Faltava-Me a resposta sem ser necessária. Era profundo na minha intimidade. Não existiam esferas que me pudessem rodear. Não havia envolvente porque nem ar respirava. Respirei-Me peixe, livremente fora de água. Não era somente ar. Em frente, e nunca o chegar. Era a falta dele que me denunciava na respiração. Agora, que o dia era azul, agora laranja em todo céu, era conforto e calor. Passo a passo era a linha residual que se projectava atrás do andar, linear, por causa do infinito atrás de mim. Recordei-Me neste momento. Não havia infância, não seria senilidade. Consciência e imediatamente passado. Não era recordação. Queria em mim velocidade. Laranja no alvo e uma seta em sua direcção, sempre maior sempre a si direccionada. Dividia-Me em passos que embora sucessivos eram diferentes dos anteriores, cada vez mais em frente, cada vez mais limitados em dimensão e sempre em linha recta. Falava de dentro para mim, noite, dia, liminar e locomoção. Por baixo dos pés não era chão. O ar demasiado que não acredito. Definia-Me inexistente e amplamente infinito. Podia parar por aqui, mas a força que se descarregava sobre os meus ombros impelia-Me em rumo. Não era direcção, essa previamente definida. Seria decisão por que movimentava. Continuava o dia, a meio dia da existência. Na imagem em redor, que aqui descrevo como paisagem, nada havia de novo. Apenas a luz que agora perpendicular eliminava qualquer outro eu em rasto bandeado. A sombra mensurável. O reflexo no espelho. Estaria eu a andar. Nem mais uma pergunta, respondi-Me. Agora, nem laranja nem menos tangerina, somente um céu aberto em todo o seu esplendor, azul, finito em cor, estampado como numa fotografia. No entanto, era o calor que me fazia leve, como qualquer imaginário de leveza em contraste com o meu corpo que de momento se arrastava, como uma pena. Sede, não a via. Muito menos vontade de saber o que era. Vontade somente. Esse meu trilho que não desaparece, que cresce na sombra da minha existência. Cada vez maior ou qualquer outro sinónimo que defina crescente em todo o seu sentido. Óbvio, não é. Cada vez maior prendeu-Me a atenção. Não me lembro de ter parado. Acho que continuei a andar, não sei. Sim. Não. Não continuei a andar. Imobilizei-Me. Parado a primeira e última vez, o suficiente para descrever a infinita linha por mim impressa. Num chão, que não o era. Mas, subitamente desviando o olhar sabia perfeitamente enquadrar-e entre início e fim. Ontem e amanhã, passado e ultrapassado. Por mim, em pegadas de alegoria. Só azul em frente, tomando-o como rumo. Atrás, laranja cada vez mais forte. Sabia-o e nem por um instante senti curiosidade em aprová-lo. Comprovação de estado, era supérflua. De dentro, apenas uma luz fantasiada de ideia. Ou um céu, aberto em seu interior. Como isso não fosse suficiente. Por fora, apenas a tarde. Tangerina com reflexos de limão. Cada vez mais quente, no breve calor que agora aquecia o meu corpo lançando no horizonte uma silhueta, do meu eu. Grande, como qualquer sombra projectada em fim de tarde. Durante algumas horas foi esta mesma sombra que me mantinha consciente, nunca ilusão, muito menos miragem. Absorvê-la, na geometria casual, mutável e ao mesmo tempo para mim, simples. Simbólica. O que foi pontual e referido como sombra inexistente, por mim, a algumas horas de distância, ou dias não me lembro, era uma linha esticada em fundo, sem volume aparente, que fugia com o chegar do fim da tarde.No tempo, onde o estar-Se não existe, um tempo onde o tempo não o é, um tempo e um espaço imaginados, longínquos como qualquer outra nuance de infinito. Era noite, ou o dia que se fechava. Desejei ouvir música. Vezes sem conta, e esta voz interior que me diz tanto e com razão. Ritmo apenas o resultante do contínuo bombear do coração, do meu, embora não o sentisse. Talvez apenas um pulsar das mãos que teimosamente permaneciam imóveis, adjacentes aos braços sempre estirados pela gravidade que pouco a pouco parecia devolver-Me. Tentei lembrar-me de uma música e nunca as minhas orelhas se abriram a qualquer harmonia, apenas andamento. Em contexto de brincadeira. Não era de hoje o problema de surdez. A ausência da fala. Mudez de qualquer palavra era irmã acompanhante do abafado rugido maternal. Deixei três filhos para trás, numa tentativa vã de me ver livre deles. Avô. Porque nem sempre se recordava. Mulher que não tive e o meu último irmão, meu avô também. Nunca fui pai. Vagabundo sem fim, com um brilho nos olhos. Uma trova de tios. Fins de tarde numa casa de campo, e o Sol. Não o via, simplesmente. Palavra, só recordação. Palavras definidas por convenção, não por nós, porque de momento palavra única simboliza-Me, em presença, não sendo para isso necessária qualquer género de explicação, muito menos significado. Denso, não é. Foquei-Me então. Creio apenas por uma única vez ter reparado por breves instantes o que por detrás de mim acontecia. Ou aconteceu, dada a brevidade do acontecimento esporádico, ou um qualquer piscar de olhos. Olhei-Me em frente. O peso na cabeça demasiado. Demasiadamente forte para se contrariar. Gravidade de colapso das primeiras vértebras subjacentes. Enrolaram-se lentamente até que todo o meu corpo respondeu. Não. No chão. Ou base. Superfície imaginada. Amparei-Me em queda antecipando-Me a uma quebra total de sentidos. Tacteei-Me a medo. Tudo estava na mesma. Ouvi-Me em diálogo, um eu interior para o eu que não o era e mais não consegui ver. Apenas uma marca. Noite, ou escuro total. Ainda não. Assumo a primeira paragem. Não, consegui, andar. Imobilizei-Me em passo pendente. A surpresa de sentir na sola do pé esquerdo a forma por mim imposta em início imaginado. Ou não. Recomeçarei tudo outra vez, de apoio em apoio até ao passo seguinte. A noite era negra, qual capa sem pontos de luz. Sempre houve descoberta, moldada na perfeição pela sola dos meus pés. E avancei, porque até agora nunca senti o contrário.

Vergílio Torres

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O sonho


Técnica mista s/tela
2007
O sonho ainda comanda a vida,pelo menos a de algumas pessoas a quem dedico este trabalho,pela forma como se entregam todos os dias a quem mais precisa de ajuda,neste caso os mais velhos .

Balanço de vida ou o pequeno equívoco


O meu vizinho do 8º, velha raposa dos negócios, confessou-me que está a sentir-se muito só neste Natal. Acabrunhado, disse-me que teme ter-se equivocado nas opções que fez na sua juventude.
Lembra-se de ter optado sem hesitação pelo Ser, quando foi confrontado com a dicotomia Ser/Ter nas aulas de Psicologia. Aluno cábula mas intuitivo, apreendeu rapidamente o que o professor defendia sobre as vantagens do Ser, para um homem atravessar a vida de bem consigo próprio. Ainda se lembra de ter pensado que era, evidentemente, melhor Ser abastado ou poderoso que Ter muita cultura ou solidariedade…

[Publicado no blogue Universos Assimétricos]

No Outono

Dás-me a mão.
Eu seguro...
Cai a chuva,
O vento enfurece-se,
Morrem os pássaros,
O sol desaparece,
Afogam-se as flores...

Tu não estás...
Nunca estiveste!
Eu fiquei.

Prendeste-me…
Nessa gaiola fiquei.

Sei que não era isso.
Perdi.
Soltei-me e aqui estou.

Liliana

Testamento para o Dia Claro


Quando do fundo da noite vier o eco da última palavra submissa
E a patina do tempo cobrir a moldura do herói derradeiro,


Quando o fumo do último ovo de cianeto
Se dissipar na atmosfera de gases rarefeitos
E a chama da vela da esperança
Se acender em sol na madrugada do novo dia


Quando só restar na franja da memória
Lapidada pelo buril dos tempos ácidos
A estria da amargura inconseqüente
E a palavra da boca dos profetas
Não ricochetear no muro do concreto
Da negrura sem fundo de um poço submerso


Sejais vós ao menos infância renovada da minha vida
A colher uma a uma as pétalas dispersas
Da grinalda dos sonhos interditos.


(poeta de Cabo Verde: Arnaldo França)

Minha pátria é a língua portuguesa


Bernardo Soares
Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar.

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.


Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.


Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio...» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.


Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.


Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

Se a lua me der a mão...eu não vou ficar deprimida com a ausência do sol





Parte-se me o peito...

e não me lembro tê-lo sentido quebrar

mas hoje ele jaz em mil pedaços

e é no chão que esta dor ecoa.

O céu calou-se por respeito

a esta tristeza sem fim

enraizada na carne ...

já não grito.

Estou cansada de gritar

e a garganta não devia ser uma arma de arremesso

mas sim...um jardim para plantar sementes

e para ver o choro das flores

quando brotam das pedras mais duras.

Se as palavras não se ouvem...

então chora-se em silêncio

porque o meu pranto ficou mudo de repente

Queimo o ar que respiro

porque os meus pulmões inspiram fogo

e eu intoxico-me por dentro...

Desconfio que vou ficar

dias a fio abraçada às paredes

a deprimir o olhar

com o sol atrás das costas...

Talvez à noite volte a ter coragem para sonhar

se a lua me der a mão...


Daniela Pereira


P.s:imagem - Salvador Dali

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

The Big Shave - 1967



A short by Martin Scorsese in 1967


Este é o meu último 'post' neste blogue em 2007! Hasta la vista! Entrem todos com o pé direito em 2008!

2008 - The best

Que o Novo Ano Vos traga ...

cor, calor, alegria, magia, energia, felicidade, simpatia, paz, saúde, amizade, amor, sentimentos, emoções, agitações, lágrimas e canções...tostões


Que cada dia de 2008 vos faça ...

sentir, sorrir, sonhar, imaginar , acreditar e Viver com toda a intensidade que merecem.

Aprendam, sintam, reagam, lutem pelo melhor,acreditem!


Que seja um Ano de...

paz, tolerância, compreensão, conforto, justiça e Amor


Que estes números mágicos... 2008 nos unam cada vez mais e intensifiquem a amizade que nos une e a cumplicidade que nos caracteriza. Sejam felizes e façam felizes alguém... todos os dias e por favor, cheguem ao fim do ano e digam:
Caramba, Valeu a pena!!!!


Desejo-vos o melhor ano de sempre, durante o qual alcancem os vossos melhores e mais secretos sonhos e que realizem e concretizem os melhores objectivos.


Beijinhos

BOM ANO!!!!!!!

O ESPELHO DOS DIAS

Desejei falar-te, simplesmente isso! Entre tantas mensagens perdidas, na hora do silêncio, onde falou o outro silêncio como Adamastor do coração, dos dias de semblante cadenciado, que me tomou nesta febre que se expande docemente pelos cercos do mundo, submerso de desejos proibidos. Resposta colossal a tua, por dias consagrados aos açoites do vento, no auge do vendaval aprisionado, onde me tomo pela totalidade agrilhoada.
Observo-te na pradaria de sensações, pela baía dos desejos, num recolhimento pacífico, onde as tuas respostas não passam da ausência de degraus, a um jardim de sensações sem história, mas com história! Os dias trazem sempre novidade e as instruções da escrita obrigam-me a um compromisso, pelo menos a pensar em ti, como o foco, o portal de todas as terapias, até às mais esquecidas, aquelas que ficaram no sitio do silêncio, entre a chuva tímida e a consagração do bosque humano. O sol brilha lá fora…
Guardo o teu olhar na cápsula da tarde, entre os perfumes e a música das horas, mesmo as esquecidas, administradas pelo outro gesto, pela outra vertente sequiosa, no edifício dos cumprimentos onde as lágrimas tocaram o fio da eternidade; nesse local, tocamo-nos e sentimos a pureza do toque, onde a vontade reconheceu a liberdade divina, condecorada pelas gargalhadas contagiantes, a um discurso de candura excitante. O nosso discurso é sempre excitante… Divorciámo-nos na noite! Plano de dúvidas… esta sementeira de acontecimentos, guarnecendo uma trajectória, o espelho dos dias, esse que proclama a ideia de ninguém.

Vila Franca de Xira, 26 de Dezembro de 2007 – 11:26h
Jorge Ferro Rosa, in Caderno da Alma

Um casal sem remédio

Joana apanharia o avião no dia seguinte. Cláudio amava-a de um jeito que não se poderia repetir com outra pessoa. Se a deixasse escapar, não mais Cláudio voltaria a sentir o seu pequeno coração vermelho bater como se fosse um tambor.

Joana iria morar para a Austrália.

Cláudio ficaria para sempre preso aos seus tristes dias.

Se ao menos ela tivesse desejado passar aquela última noite com ele, talvez as saudades do rapaz não se fizessem sentir de forma tão arrebatadora. Mas não. Joana quis ficar no hotel a fazer as malas. Quis ficar longe daquela pessoa a quem dissera amo-te durante onze meses inteiros. Quis fugir.

Cláudio estava triste, cabisbaixo, perdido. Não voltaria a ser ninguém sem Joana a seu lado.

Também no 00:04

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Christmas


E a paragem do tempo para se ser feliz em casa


Bob tremia a aproximou-se mais da régua. Teve por um momento a ideia de agredir Scrooge com ela, enquanto o segurava e pedia socorro para o pátio e um colete de forças.
- Feliz Natal, Bob! - disse Scrooge, com uma sinceridade que não podia ser confundida, enquanto lhe dava palmadinhas nas costas.
- Desejo-te, meu bom amigo Bob, um Natal mais feliz do que aqueles que te tenho dado de há muitos anos! Vou aumentar-te o salário e comprometer-me a ajudar a tua necessitada família e esta tarde discutiremos acerca de negócios, em frente duma tigela de Natal com ponche fumegante, Bob! Acende os fogões e vai comprar um balde de carvão antes que o Diabo esfregue um olho, Bob Cratchit!

Scrooge excedeu as suas promessas. Fez tudo e infinitamente mais e para o pequeno Tim, que NÃO morreu, foi um segundo pai. Tornou-se um bom amigo, um bom patrão, um bom homem, como toda a boa cidade sabia ou qualquer outra boa cidade, vila ou lugar do nosso bom mundo. Alguns riam-se da sua modificação, mas ele deixava-os rir e pouca atenção lhes prestava, porque era suficientemente sensato para saber que nada de bem acontecia neste mundo sem que as pessoas lhe troçassem, a princípio; e sabendo que esses, de qualquer forma, seriam sempre cegos, pensou igualmente que podiam fazer rugas de tanto rir ou apanhar a doença com forma menos atraente. O seu coração ria e isso era quanto lhe bastava. Não voltou a ter contactos com os espíritos, mas viveu, a partir de então, em voto total de abstinência e dele sempre se disse que sabia como conservar o Natal, se é que alguém possuia essa sabedoria. Que isso possa ser dito de nós! E, tal como dizia o pequeno Tim: que Deus nos abençoe a todos!

Charles Dickens

[Foto: Carlos Pedro]

Também em www.meninadosolhosdeagua.blogspot.com

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Vida Moderna


Post-it

Sentia-se um post-it na vida daquela rapariga.

Também aqui.

Dor de Mãe - Poema de Natal

Era a manhã de Natal
E fui acordar meu filho adorado
Para abrirmos as prendinhas
E ver o presépio encantado

Mas quando cheguei ao pé dele
Para grande surpresa minha
Ia tendo um colapso
Quando lhe abri a caminha

Mal fui para o abraçar
Senti uma ranhoca mole
Tinha havido um feitiço
Meu filho era um caracol!

Olhei para ele e perguntei:
- Mas que te aconteceu, afinal?
E ele respondeu, muito choroso:
- Estava grosso, o Pai Natal!

- Fez-me isto sempre a rir
Com um bafo a whisky rasca
Deu-me, de presente, um arroto
E voltou com as renas p’rá tasca!

Então corri logo para o telefone
E chamei um médico que o tratasse
Que ao vir tão rapidamente
Até deu mau nome à classe

Mas quando chegámos ao quarto
Disse meu marido, no fim da imperial:
- Vê se temperas melhor os caracóis
Que este não estava nada de especial!

A moral desta história é
Que um pai não deve comer o filho
Pelo menos até ser bem temperado
Com sal, pimenta e tomilho

Natal

Paula Rego
pietá




«beati, qui lugent nunc,
quoniam ipsi consolabuntur
»
(bem-aventurados os que choram agora
pois esses serão consolados)


acredita-se até quando se deixa de acreditar
e ainda se acredita



também aqui

Deus

Senhora ao peito, hóstia na boca

cantam as mães virgens de deus
recolhem as flores aos mortos

as botas cardadas de cristo

benzem as orelhas uns nos outros
já a merda fere devotos no cu,

ficam puros entre os irmãos
a matrícula fria nos pescoços,

chegam raivosos queimados nos altares,
vão com o dia defuntos ao terço

dias inteiros,

como deus caísse.

E deitam-se de peito a escutar,

descobrem no cu o buraco de deus.


Alexandre Nave in Vão Cães Acesos pela Noite

É Natal!

E como o corpo humano também é uma forma de Arte, aqui deixo os meus votos:

Dia 24

Como não tinha família, nem amigos, nem amigas, nem namoradas, nem nada que lhe pudesse servir de companhia, passou todo o santo dia de véspera natalícia a olhar para um livro que teimava em não se deixar arrumar na estante. Mesmo os vizinhos, os desconhecidos vizinhos, não estavam disponíveis para serem observados nos seus afazeres diários.

Naquele dia, o mundo não quis sair à rua.

Não valia a pena tocar no telefone: a agenda não tinha nomes. Escrever? Em certas ocasiões, até os grandes escritores se sentem incomodados com o silêncio. O rádio passava músicas que faziam lembrar pequenas crianças a chorar por prendas. Na televisão, os mesmos filmes de sempre davam vontade de rebentar com tudo.

Depois, havia uma mesa cheia de chocolates e de rebuçados, só para uma pessoa.

Também aqui.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Cirugião

Ao pé dos seus colegas de trabalho, determinado cirurgião plástico afirmava que nunca conseguiria ter relações sexuais ou afectivas com nenhum dos seus pacientes, visto que, do seu ponto de vista, o médico que modificava o corpo dos seus pacientes era um Deus na Terra.

No cimo do seu altar, o cirurgião conhecia os pontos fracos da pessoa que operava. E era esse ponto fraco que lhe ficava na memória. Se uma mulher quisesse aumentar os seios, o doutor cumpriria a tarefa com grande isenção. Se uma mulher aparecesse no consultório com queimaduras de segundo grau na cara, o doutor faria de tudo para lhe dar uma nova beleza. Todavia, nunca ninguém conseguirá dizer que conseguiu apagar o passado através de uma mudança física.

Quando punha a hipótese de beijar uma paciente sua, o médico lembrava-se imediatamente dos momentos que antecediam a transformação. E sentia um inevitável nojo.

Este Natal, não consuma...

99 anos de Bonelli

Ontem comemoraria o seu 99º aniversário Giovanni Luigi Bonelli, o criador de Tex Willer. Para comemorar a ocasião adaptei o seguinte texto de modo a dar a conhecer o mesmo aos nossos leitores:

Giovanni Luigi Bonelli nasceu em Milão a 22 de Dezembro de 1008 e faleceu em Alexandria a 12 de Janeiro de 2001, foi um editor e autor italiano de banda desenhada que ficou conhecido pela alcunha de “o pai de Tex” (Tex Willer é a sua criação mais conhecida e pode ser encontrado em qualquer livraria portuguesa ou brasileira).

Leitor voraz desde tenra idade o mesmo apreciava, principalmente, as obras de mestres da estirpe de Jack London, Robert Louis Stevenson, Júlio Verne e Emilio Salgari, entre outros.

Vagueou pela Europa, com pouco dinheiro no bolso, trabalhando nos mais diversos ofícios para ganhar o pão de cada dia, desde cortar lenha numa quinta até a ingressar na prática de boxe (tendo inclusive treinado lutadores profissionais). A sua principal criação, o ranger Tex Willer, “possuía uma percepção de valores imediata, fruto de uma cultura surgida numa juventude vivida com austeridade”, palavras de Decio Canzio, grande amigo de Bonelli.

A sua carreira literária inicia-se nos primórdios dos anos 30, escrevendo histórias para o Corrieri dei Piccoli, publicação tradicional italiana, e artigos para o Giornale Illustrato dei Viaggi. Nos anos 30, Bonelli escreveu também para diversos títulos da Editora Saev, tais como Jumbo e Rin-tin-tin e escreveu os seus primeiros guiões, que foram desenhados por Rino Albertarelli e Walter Molina.

Guionista e criador de dezenas de personagens, passa por várias empresas, até abrir a sua própria editora, reformulando então publicações importantes como L'Audace. O ano de 1948 marcaria para sempre a sua vida.

Por ser um grande admirador das histórias do velho oeste americano, Bonelli cria, em parceria com Aurelio Gallepini, o personagem Tex Willer. Ao mesmo tempo, também criava "Occhio Cupo", uma revista quinzenal de formato grande, mais cara que a média das revistas de banda desenhada da época. No entanto, é Tex, revista de formato fino e pequeno, com apenas 32 páginas (uma tira por página), num formato parecido com um "talão de cheques”, que atinge o coração dos leitores italianos, projectando-o nacional e internacionalmente.

Manteve a redacção de guiões para muitas outras histórias e criou outros personagens, antes e depois de Tex, como O Justiceiro do Oeste, Ipnos, O Ladrão de Bagdad, A Patrulha dos Sem-Medo, Plutos, Os Três Bil, El Kid, Lobo Kid e Ringo, só para citar alguns. Entretanto, aos poucos, Bonelli sentirá necessidade de se dedicar mais e mais ao personagem Tex, que exigia cada vez mais do seu tempo.

As próprias actividades editoriais são transferidas para a família: a sua esposa Tea Bonelli (falecida em 2000) passa a cuidar da administração, enquanto ele prepara o filho Sergio, que em pouco tempo se torna o editor responsável por um aglomerado de empresas que publicam algumas das melhores bandas desenhadas do género.

G.L. Bonelli faleceu aos 92 anos devido a problemas respiratórios e cardíacos. A última história escrita por ele foi "Il medaglione spagnolo", publicada em fevereiro de 1991 (na edição brasileira Tex nº 323 - O Medalhão Espanhol), uma aventura iniciada por ele e terminada por outras mãos. Como ele mesmo gostava de se definir foi "um romancista emprestado à banda desenhada e jamais devolvido".

Desisto de ti

Venho por este meio dizer
Uma coisa inesperada
Não me restam forças,
Desisto de ti minha amada.

Adeus até um dia
Eu sempre amei sozinho
Agora segue com a tua vida
Que eu sigo meu caminho.

Nem me disseste porquê
Simplesmente foste embora
O motivo será o de eu
Ser feio por dentro e por fora.

O teu muro impenetrável
Uma porta apenas tinha
Nunca me deste a chave
Não foste nem serás minha.

Meu amor por ti continua
Desejo-te toda a felicidade
Mas nem olhas para mim
Deves odiar-me de verdade.

Só me resta chorar
Pelo que nunca terei
Não sei se é minha a culpa
Mas eu sempre te amei.

A esperança perdeu-se
E não irá voltar.
Tive-a por pouco tempo,
Agora fico a chorar.

A inveja apodera-se
Daquele que nada tem,
Sou um fraco invejoso
Não tenho nada também.

A luta não continua
A guerra já acabou,
Fica agora a vergonha
De um homem que nem lutou.

A batalha foi perdida
Os espojos não vou ter,
Se eles são melhores que eu
Nada posso fazer.

Se retirar é ser cobarde
Não nego, mas confesso
Reconheço então que sou

O maior cobarde que conheço

Dénis Carmo

Tudo

A lareira que
alumiava a escuridão de pedra
na perda das sombras
em redor da luz

Dava-me tudo
o que o momento podia
e o poder do lume consignado ao tijolo
empoeirado de cinza
era vida iluminada e inquieta
que se mexia nas brasas
que o fogo impunha
e fundia nos meus olhos a chama
da bátega expirada
lá fora.

O arrepio do granito
adivinha
o tempo em que tudo era perfeito.


Publicado também aqui.

Nova EDITORA

Recebi um mail super simpático de uma nova editora de livros.

Trata-se da
Luz Das Letras, a quem desejo um grande sucesso para 2008.



Tiago

Para ti

Penso deitar-me, mas não conseguiria dormir. A minha mente ecoa memórias agora distantes, que me sufocam o peito com saudade.
Olho o relógio e sei que dormes. Imagino-te deitado. Vejo-me ao teu lado, acariciando o teu corpo, beijando os teus lábios.
Puxo para dentro a vontade que tenho de te ter comigo, em mim.
Quero saber dar tempo ao tempo, mas ele apenas me aperta contra a realidade que agora evito: gostar de gostar de ti.
Espero que o pesadelo acabe depressa, mas ninguém me acorda a tempo de o fazer parar. E os minutos não páram...
Será que ainda me queres da mesma forma? Talvez me esqueças aos poucos, a cada dia que passa... Não sei e não quero saber, porque ainda guardo a esperança de te ter na minha boca e nos meus braços, puxando-me para ti.
A intensidade do teu olhar está presa na minha mente. Gosto de a reter por alguns minutos e sentir o teu cheiro percorrer o meu corpo.
Ah, que falta me fazes...
Desculpa a minha fraqueza, mas preciso de ti...

Fotografia de Ayshynek @ Cadeia da Relação / Instituto de Fotografia

"Since you've gone I've been lost without a trace
I dream at night I can only see your face
I look around but it's you I can't replace
I feel so cold and I long for your embrace
I keep crying baby, baby, please..."


Postado também aqui.

sábado, 22 de dezembro de 2007

MOMENTOS QUE PASSAM


Olho por aqui e além
Quero olhar-te uma vez mais
Mas nem tu, nem ninguém
Nem o eco dos meus ais…

Olho e não vejo as minhas mãos
Procuro em vão o fumo em espiral
E nem a cinza daquele último cigarro…
Parece que tudo foi nada num momento
Nem anéis, nem dedos nas minhas mãos
Para além do monte tudo é irreal
E foi-se a esperança onde me agarro
Como que levada pelo vento…

Quiseste dar tempo ao tempo…
Que loucura sem remédio
O tempo passou alheio
E nada conseguimos descobrir…
Agora, que já não há tempo
Tomada por um triste tédio
Arrasto-me num perene vagueio
Até ao dia de partir…


Folheio o livro da vida
E tantas folhas, tão escritas…
Tantos olhos, tantos amores
Tantos lábios e corações…
A ti amo e por ti sou preterida.
E entre canções, flores e desditas
Deste-me rosas de tantas cores
Para acalentar as minhas ilusões…


22.12.07

Amadeu Baptista vence Prémio Literário Florbela Espanca 2007


O poeta Amadeu Baptista foi galardoado com o Prémio Literário Florbela Espanca - 2007, promovido pela Câmara Municipal de Vila Viçosa, com a obra "Outros Domínios".


Na reunião de Câmara do passado dia 19 de Dezembro, o Executivo Camarário deliberou homologar a acta do Júri de classificação das obras concorrentes ao Prémio Literário Florbela Espanca.


O Prémio Literário Florbela Espanca foi instituído pela autarquia em 1981, e tem como objectivo promover, divulgar e apoiar as actividades culturais de âmbito literário.


Nesta edição de 2007, inteiramente dedicada à poesia, foram a concurso 104 trabalhos. O júri deliberou atribuir o Prémio, no valor de 2.500,00 €, à obra “Outros Domínios”, da autoria de Amadeu Baptista e ainda duas Menções Honrosas aos originais intitulados "Espaço Livre com Barcos”, de Graça Pires e "Quebranta Água do Tempo", de Luís Aguiar.


Amadeu Baptista nasceu no Porto em 1953. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade do daquela cidade e reside em Viseu. Tem colaboração dispersa jornais e revistas, em Portugal e no estrangeiro. Poemas seus foram traduzidos para Alemão, Castelhano, Catalão, Francês, Hebraico, Italiano, Inglês e Romeno. É divulgador em Portugal de poetas espanhóis e hispano-americanos. Está representado em diversas antologias e livros colectivos.


Publicou “As Passagens Secretas” (1982), “Green Man & French Horn” (1985), “Maçã” (1986) (Prémio José Silvério de Andrade - Foz Côa Cultural, 1985), “Kefiah” (1988), “O Sossego da Luz” (1989), “Desenho de Luzes” (1997), “Arte do Regresso” (1999) (Prémio Pedro Mir – Revista Plural, na categoria de Língua Portuguesa, México), “As Tentações” (1999), “A Sombra Iluminada” (2000), “A Noite Ismaelita” (2000), “ A Construção de Nínive” (2001), “Paixão” (2003) (Prémio Vítor Matos e Sá e Prémio Teixeira de Pascoaes 2004), “Sal Negro” (2003), “O Som do vermelho - Tríptico Poético sobre pintura de Rogério Ribeiro” (2003), “O Claro Interior” (2004), (Prémio de Poesia e Ficção de Almada), “Salmo” (2004), “Negrume” (2006), “Antecedentes Criminais (Antologia Pessoal 1982-2007)” (2007) e “O Bosque Cintilante” (2007) (Prémio Nacional Sebastião da Gama 2007). Recentemente foi galardoado com o Prémio Nacional de Poesia Natércia Freire 2007, promovido pela Câmara Municipal de Benavente, com o original inédito ‘Poemas de Caravaggio’.

Esperança de Paz


Acrílico s/tela
30x30cm
2007
Que um abraço de estrelas neste Natal,possa trazer,Paz ,amor, esperança,Saúde, felicidade,tudo de bom,e muito mais,...
Feliz Natal para todos vós.


"Society drives people crazy with lust and calls it advertising."
[John Lahr]

"Todo o homem santo tem a sua tara. Toda a puta tem o seu pudor." [Monstro Mau]

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Dormir com frio

Nos dias de Inverno, as saídas de casa eram muito difíceis para o velho Rogério Político. Se não lhe doessem as articulações, aparecer-lhe-ia um aperto no peito. Sendo a dor uma constante da vida de um homem de idade avançada, não será de espantar que, em noites de granizo, Rogério Político pensasse duas vezes antes de dizer à esposa que ia jogar às cartas com os amigos.

Antigamente, tudo era diferente. Rogério Político acordava cedo para o trabalho fabril, almoçava a bucha que lhe pusessem no termo, trabalhava até mais não, e ainda tinha tempo de bater na mulher e de se pôr a andar para a taberna, local onde passava horas e horas a conferenciar sobre o estado do mundo e da nação. Por vezes, Rogério Político não se limitava a gastar as suas noites com os seus camaradas e punha-se em busca da felicidade num bordel. Gostava de sexo.

Com o tempo, a situação foi mudando. O homem que, durante vários anos, se julgara grandioso, quase imperial, ia-se tornando cada vez mais num ser peçonhento, viscoso, velho. Já nem com a esposa Rogério Político conseguia ir para a cama. Estava cada vez mais morto.


Também no 00:04

Feliz solstício!



Esta é a maior noite do ano. É nela que este ano se situa o solstício do Inverno, lá para as 6 da manhã. Se queres celebrar adequadamente este acontecimento cósmico, simbólico pela viragem no tamanho dos dias e belo no seu carácter cíclico, agasalha-te, aquece-te à volta duma fogueira e aconchega-te no calor da comunidade dos amigos.

[Publicado no blogue Universos Assimétricos]

DERRAPAGENS DA VIDA: A MORTE

Foto de Jorge Ferro Rosa
As ruas envolvem-se de um ar estranho ou talvez eu é que me encontro estranho! Sai de casa para tomar café, para procurar o sentido do dia e o tema de conversa por aqui e por ali, era a morte. Fala-se sempre da morte do outro… tudo nos conduz e encaminha para tal. Os sentidos na maioria das vezes são bem traiçoeiros… afinal, onde começa e acaba a morte? Pensar e falar da situação por vezes deprime… hoje pelos encontros que me aconteceram falaram-me de vários casos; um dia será a minha vez! Morre-se das mais diversas maneiras, entretanto o cérebro vai assumindo as situações, com mais ou menos dor. Afinal, quem é que está preparado para morrer? Depois de olhar para tudo isto, não pedia para nascer e a morte vai agarrar-me um dia e não tenho hipótese de fuga… nem as crenças resolvem a situação, apenas iludem. Alguns amigos e familiares meus já morreram, confesso que senti uma grande aflição. O próprio envelhecimento é um sinal de que caminhamos para o fim, para o nada. Penso na situação, a minha mente é a única realidade, somente ela me dá o sinal… as dores do corpo, a sensação de desagrado é captada pela mente, também não serve para nada, contudo, existem por ai muitas teses a tentar defender o oposto. Também não serve para nada… isto é mesmo estúpido! Desculpa, preciso falar disto, ainda que se considere também estúpido. Todos morrem… os médicos, os padres, o mendigo… todos, nem um escapa; novo ou velho, todos vão. Apenas me apetece escrever e também não serve para nada, confesso-te se penso bem a sério nestas realidades, o melhor é escolher a morte mais ajustada! Também não serve para nada; o melhor, penso, é dormir no silêncio e em sono profundo, até ao âmago da inconsciência, tomando-me no silêncio eterno no pó original.
Observo os movimentos das pessoas na rua, a expressão de cada qual; sinto-me a caminho de me deixar de sentir e lágrima alguma será solução para as questões da morte. A mãe morreu naquele dia! A tia também… o amigo também. Foram simplesmente. Ensaio, contos, poemas e teses falam de morte… as prateleiras são o cemitério da morte. E tu, dói-te alguma coisa? O pulmão, o estômago, o fígado, os rins, o peito, os intestinos, a prostrata, não contraíram tumor? Exames… medo! Dói o coração? Existes pela dor, porque sentes… a consciência é de vida ou de morte? Enquanto percepcionas faz sentido a vida! A preocupação conduz a estados mais ou menos terríveis de alarme; o alarme começou desde a concepção, desde fusão entre o espermatozóide e o óvulo. Os programas da existência são verdadeiras aventuras, joga-se, perde-se e ganha-se. O que vivo é o aqui e agora… o amanhã ninguém vive; é esta sucessividade presentificada de prazer ou desprazer que configura o sentido da existência até que a morte bloquei o sistema, como vírus para o qual não existe modo de o eliminar. O cadáver é um corpo que foi devastado pelo vírus da morte, esse estado de estranheza, ao que prevalece para todo o sempre sem que se possa fazer alguma coisa que o torne ao estado anterior!
Nestes dias andei por um cemitério, olhei campa a campa, jazigo a jazigo, diversos tipos de urna… sabes o que senti? Paz! Fiz algumas fotos e senti que o meu lugar e repouso eram ali. Fatalidade de sentido, talvez o meu estado mórbido, enquanto apreensivo e impotente perante uma realidade que é comum a todo o mortal. Reflectir sobre estas coisas também é importante, parar um pouco, descer às profundidades… não me importava de ficar agora lá na profundidade, contudo é necessário anular todos os meus sentimentos! Não quero nada, não espero nada, apenas quero o sono eterno para esquecer de uma vez por todas a estupidez da existência que é temporária para cada ser vivo. Fui… o texto está em processamento e a morte é a justificação do todo.

Vila Franca de Xira, 21 de Dezembro de 2007 - 15:04h
Jorge Ferro Rosa, Caderno da Alma
Escrito na cafetaria "M Neorealismo", do Museu Neo-Realismo.

Sonho

No meu sonho
Tu morrias
-Eu ria-

Mário Lisboa Duarte
in O Tempo está para Chover

Photobucket

Após uma semana enfiado num laboratório rodeado de fios vermelhos e pretos e castanhos e entradas e saídas e machos e fêmeas, termino aqui a primeira fase na participação deste blogue que me tem dado tanto trabalho e prazer e frustração e orgulho e nada e tudo. Vou hibernar umas semanas e queria deixar aqui o meu agradecimento a todas as pessoas que por aqui me acompanharam e me ajudaram, directa ou indirectamente, a seguir em frente com este projecto.

Beijos a abraços aos respectivos e um até breve,

Pedro José.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Língua de fora

Pôs a língua de fora e correu.
Melhor, limpou a alma do pai com olhos da cor do mundo, ajeitou a roupa torcida, torcendo-a ela. Perguntou ao pai que horas marcava o seu relógio enrugado, ele respondeu que na hora seguinte os espelhos já só lhe iriam afagar o rosto. Ela percebeu e deu dois pinotes. As areias debaixo dos seus sapatos quiseram naquele instante ser as fachadas que nos guardavam da vida de adulto. No fundo só queriam deixar de ser o som da criancice.
No momento em que me viu, pôs então a língua de fora e correu.
O pai continuou a ser pai no sorriso que me atirou. Eu continuei parado, sem saber o limite daquilo que guardei.

Também aqui
www.mentequebrilhas.blogspot.com

Natal

Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.

Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.


Reinaldo Ferreira


já não és tu que me fazes falta, sabes
lembro-me de dançar contigo pelas ruas
mas já não me comovo como dantes.
escorre-me uma lágrima no rosto pela saudade
de ser amada.
apenas.
serves apenas para isso:
para um tremer de corpo
uma incompletude de alma.
és já tão pouco amor
tão pouco.


[Foto: Maria Flores]
(também aqui)

Procura-se um amigo verdadeiro...





Hoje apetecia-me colocar um anúncio nos jornais...Amiga fiel procura por amigo verdadeiro...

Não tem que ser alto...mas tem que ter um ombro onde possa encostar a cabeça,quando me sentir cansada e com vontade de chorar.Não precisa de ter o ombro livre sempre para mim, mas precisa de saber distinguir quando as lágrimas são sentidas e demasiadas pesadas para carregar sozinha.

Não tem que pedir desculpas por não estar presente em todos os maus momentos...mas tem que me fazer sentir que desejava estar .

Não precisa de sorrir sempre...mas de ter um sorriso para me dar quando me sentir triste,por saber que nunca lhe neguei o sorriso quando de um sorriso meu precisou.

Não deve guardar-me numa gaveta com cheiro a passado...e deve sempre dar-me flores se a vida mostrar que o futuro tem espinhos no olhar.

Não deve fazer de mim uma recordação e sim um pedaço...grande ou pequeno...mas um pedaço de si,porque aos amigos dou-me por inteiro.

Não deve perguntar se estou bem...porque o coração deve saber sentir quando não estou,porque algures nesta amizade há-de existir uma ponte para puder viajar de uma ponta à outra do peito.Só a ausência pode ter força para quebrar esta ponte construída com tanta harmonia...Talvez um dia esqueças o caminho...

Hoje procura-se um amigo verdadeiro...com braços para abraçar...ouvidos para escutar..mas com uma boca para nos encher de palavras com gosto a conforto.

Todo o vazio é inimigo do sentimento...todo o silencio é desprezo se não houver um sussurro ouvindo-se ao longe para nos fazer sentir amparados.

Vou para a janela escrever Amizade em mil aviões de papel e vou atirá-los em direcção às nuvens,para ver se do céu ..hoje ainda me chove um amigo assim...

Daniela Pereira

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

APREENSÃO DO EFÉMERO

Foto tirada em Aveiro no café - despertar sensações -, por Jorge Ferro Rosa Foto de Jorge Ferro Rosa

Perdi-me nos trabalhos que perderam o nome, entre as memórias sem relevo! O teu nome conduz-me para a saudade perdida, para a feição das cores e dos silêncios distribuídos; não esquecerei da tua vontade, ainda que perdida… todas as rupturas são uma promessa que se desfaz. O sorriso da tarde antiga ficou aberto enquanto voltei aos modelos que não me satisfazem. Do que ficou disponível pouco me satisfaz… nunca entenderás a minha postura, o fulgor perde-se entre as entranhas do espírito, as vozes consomem a remediação dos dias que se questionam… são tantos, a soma é bem elevada.
Os desejos exibem a margem da realidade, tecendo as sensações, as memórias de instrução, em parágrafos sem medida. A verdadeira sensação aprisiona temporariamente, entre os prefácios do livro que ficou por escrever e a vontade retalhada dos dias de ninguém!
Ofereces-me a tua postura, as tuas palavras, cada uma sustenta uma nova dimensão no terreno da palavra. As tuas palavras acontecem sempre no momento certo, com o intuito de equilibrar o esquecimento, a doçura dos dias azedos. Tomo a tua graça na satisfação desmesurada pelos prolongamentos da tarde.
Representas a força do olhar, a saída dos tempos distantes, entre o dilema do fascínio e a compensação possível. Este traço fica inacabado entre os roteiros que conservaste, alguns bem dentro de mim, esses que nunca foram visíveis! Não te deites a adivinhar daquilo que não te disse, toma apenas o regresso sem futuro, uma vez que as palpitações são como o sangue, também alimentam. O imaginário é tão atrevido que não te deixa em paz… depois da morte da mãe, terminaram os estados de urgência e as obrigações familiares. Não me preocupo mais com as tuas posturas, depois toda a vontade em procurar-te tornou-se nula! É assim, o que conta é o que está na minha sintonia e muitos dos assuntos foram arrumados. Os nossos objectivos são divergentes, a tua postura conduziu-me para o desinteresse total de ti! Entendo que tenhas percebido isso desde aquele dia considerado… não sinto mais vontade em falar contigo. Chega de falsas representações, eu sou na minha forma de ser, não me interessando das tuas interpretações a meu respeito. És livre… agora é tarde demais, apenas fui tomado pela apatia… da minha vida não tenho que te dar satisfação alguma porque de enrolos cansei mesmo.
O tempo da inocência já se foi, faz tempo! A tarde toma-me entre pessoas de café, papeis distribuídos, mensagens de nova composição, talvez de difícil apreensão… estou entre os atalhos do efémero.

Aveiro, 19 de Dezembro de 2007 – 16:30h
Jorge Ferro Rosa
Escrito no café “Despertar Sensações”. In, Caderno da Alma

Boas Festas


Nesta altura do ano, desejamos sempre o mesmo: O melhor para todos, através de frases e palavras que já nada têm de original.

Sinceramente, desejo a todos Vós, o melhor Natal de sempre, mas deixo os meus votos através das palavras de um grande poeta: Ary dos Santos.



Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento


És meu irmão amigo
És meu irmão


E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume


És meu irmão amigo
És meu irmão


Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser


Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e combóios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar


És meu irmão amigo
És meu irmão


E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei


És meu irmão amigo
És meu irmão


Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser


Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

(Ary dos Santos)

...

quantas vezes apostaste a tua vida?

apostei a minha vida mil vezes.
perdeste tudo?
sim, perdi sempre tudo.

José Luís Peixoto, "a criança em ruínas"
Foto de :Carlos Pereira Olhares com

Quando se perde um amigo...

Quando sentimos que perdemos um amigo

parte de nós é lágrima que cai desamparada...

mas cá dentro, há um sorriso triste

a recordar os bons momentos

que esta amizade nos deu.

Nasce um vazio

de um todo quebrado

e um mar cinzento

chora despedaçado

pelas memórias que perderam a cor.

Abre-se um buraco no peito

e a enxada deve ter lâmina dura

porque nos escava uma ferida tão profunda

que esburaca o corpo só para nos atingir

em cheio o recheio da alma.


Se eu tivesse uma pedra no lugar

onde vi plantado o meu coração

Talvez,soubesse como impedir

que a dor me roube mais esta seara...



Quando sentimos que perdemos um amigo...

as pernas caminham sem destino

porque os passos esqueceram o seu rumo

e dormem sozinhos junto á estrada.

Há braços com frio

porque sonham com um abraço...

Há um pássaro a baloiçar naquele ramo

mas já sem vontade de cantar

para aquele banco de jardim vazio...

Há palavras sem força suplicando vozes na garganta

e restos de gritos que dela saíram altos demais...

Há quadros pintados com os dedos logo pela manhã

e arco-íris que desmaiam lá pela noitinha...

Há lágrimas abençoadas

que se ajoelham fielmente a rezar por nós

e sorrisos danados a rir do desespero das minhas preces.

Há poemas colados ao tecto

porque querem preservar no céu esta história

sem acreditarem que ela chegou ao fim...

Há sonhos por perto rasgados no chão

e folhas de papel tão teimosas que se recusam a voar para longe...


Ai se eu tivesse asas nas costas

para dar utilidade a todas estas penas!

Se eu soubesse o valor da eternidade dos gestos

e das promessas que se proferem sem olhar.


Mas, porque é que a tristeza me faz pensar

que hoje perdi um amigo...

se ainda ontem sorria tão feliz por o encontrar?


Daniela Pereira
Direitos Reservados

SE ME COMOVESSE O AMOR




Se me comovesse o amor como me comove

a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo

as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro

em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia

caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.

Se me comovessem os teus passos entre os outros,

os que se perdem nas ruas, os que abandonam

a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer

o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém

comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar

os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.

Por isso não me procures, não me encontres,

não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas

o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.

(Francisco José Viegas)


Zaragata

Durante o recreio da escola, duas crianças da quarta classe envolveram-se numa forte disputa pelos beijos de uma menina. Se fossem necessárias provas para a existência de ciúme dentro de um ser humano de tenra idade, esta seria uma delas. As duas crianças estavam dispostas a matarem-se pelo contacto físico com os lábios da fêmea.

Um dos miúdos, com as bochechas da cor de um tomate, quis ser o primeiro a dar garantias de virilidade à moça e empurrou o outro com força. O outro, não querendo ficar mal visto, levantou-se rapidamente e, com as mãos um pouco esfarrapadas pelo contacto com o cimento, deu três sacudidelas no pó das calças e empregou um murro na face do rapaz que o empurrara. Num estalar de dedos, as crianças ficaram entrelaçadas uma na outra. Gritaram. Cuspiram-se. Mas, tal como acontece com tudo o que respira, cansaram-se.

Deitadas no chão, uma para cada lado, apenas com as cabeças erguidas do solo, as crianças viram a menina afastar-se deles irremediavelmente.


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Filósofo

Por ter passado vários anos a decorar teorias e velhas ideias de autores antigos, José António, um homem com cara de menino, chegou a uma altura da sua vida em que só a escrita poderia apaziguar a bola de fogo que lhe consumia cada vez mais o estômago.

Veio-lhe à cabeça um título para um livro: «A supremacia do conhecimento puro». E começou a escrever. Em dez anos, José António escreveu quinhentas páginas, nas quais se condensavam todas as suas leituras. Todavia, após tanto trabalho, o homem não se sentiu satisfeito. O bicho continuava a moer. Por esse motivo, voltou a escrever e a perder dez anos com mais quinhentas páginas. Voltou a não se sentir realizado. Frustrado, pôs a hipótese de abandonar a vida.

Um dia, apareceu-lhe uma mulher. Mas José António, que, durante vinte anos, nenhum contacto mantivera com o sexo feminino, não sabia como comunicar com ela. Apesar de tudo, o trato com os livros era mais simples.

O que fez o intelectual?

Aproximou-se da mulher e, sentindo-se completamente incapaz, violou-a.


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terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Monólogos no abismo

«A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e a violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação.»


"Estilo", Herberto Hélder

(no consultório)

Devo ser o intercessor do caos. Aos dédalos por onde erram os náufragos, regidos por leis que não subverto ou domino, conheço-os a todos. Procuram-me. Eles, homens que nunca sabem que fio largaram, que noite ou estrada os viu perder. Eu sou a vigília, e comporto o mistério do abismo e do medo, porque creio neles de fora, louco para a ciência disto. Não há tumulto que eu não anuncie no breu, porque me prendo, lúcido, aos mastros da psique, enquanto nos sorve a voragem. Somos tanto, tão frágeis. Se pedem que os salve, converto-os na luz arrancada dos espelhos, para reaprendizagem dos reflexos. Pedem que os ame, e falo-lhes do Longe e do Tempo, de casas docemente abandonadas ao entardecer, em terras onde nunca nada restará de ninguém. Digo-lhes que todas as histórias do mundo só lhes sucederão a eles, e sentem-se amados no calor dessa herança.

Todas as noites, dirijo preces ao abismo e aos que o torneiam, insones, na vertigem velada. Penso sempre que ninguém se deveria sentar a esta mesa. Nem você, que chega, meiga e trémula, porém sagaz no exercício da procura interior. Nunca a vi antes. Arrisca encontrar-se em títulos de manuais, na estante ao lado, talvez a psiquiatria saiba de si. Posso perguntar-lhe o seu nome, ou esperar por si para o deslindar dos novelos, mas de súbito reconheço-a como filha que poderia ter tido e estremeço, afinal é já uma mulher, coajo-me a abandonar a ideia. Deixe-me descobri-la.

Eu venho do não retorno, onde a palavra se reinventa até ao infinito

Não lhe peço que seja directa. Ensine-me antes o dialecto da abstrusão. Desde que me entreguei a este ofício, não soube diluir o fascínio inicial. Por isso, agora, quando fala, eu devo entender a alquimia da sua voz. Diz-me que a gerou uma metáfora, e que portanto aprendeu a viver no cruzamento ininterrupto de sentidos, e nunca mais se encontrou. Diz-me também que nunca caiu. Relembra uma avó toda debruçada sobre o coração para a alcançar, enquanto você ergue os joelhos ainda latentes do tombo e diz

Avó!, quase caía

Quase caía , quase que amava. Ao Amor, apresentaram-na os poetas, esses cujos cânticos ainda hoje entoam bocas sem nome, poetas eternos de quem não olvidará o nome. Com eles aprendeu a diferença, a nobre diferença entre o ardor dos amantes e o fogo do Amor. Evoca a "arte de não cair", e não sei de que fala. Faíscam-lhe os olhos devotos, pergunto-me se é deus, diz-me que são os arcanjos da beleza. E acrescenta, empedernida ou frágil, "que só queria ter velado a Beleza". Só agora compreendo que ainda é deles que fala, dos poetas. Dir-lhe-ia, se pudesse, que me fascina. Arriscaria talvez tutear-te, permitirás?, filha minha que poderias ser, mas agora humedece-te o olhar langue, antes de dizeres a maior verdade

Nada conheço que não antecipe o fim

Pressinto que sabes demais, como se falasses de outra. Fluida, narras-me a história de um pai que talvez fosse o teu. Inerte, simbólico, eterno, um pai preso ao retrato antigo que terias sido. Tremem-lhe as mãos ao amanhecer e tu condescendes: sabes que o passado o deixa ébrio, por vezes distancia-se muito e temes que o sequem as areias do tempo, encerrando-o nos remotos covis da memória. Então ele imerge outra vez nos retratos, e já o perdeste, terno e comovido em imagens que afinal nem foste. É quando cessas de pedir que as deixe, por ti.

Nada mais digas antes da ires e se disseres, nada mais se recorde. Não há palavra que me queiras, de trilhos conheces os que te trouxeram e os que te vão levar. Poderia indagar a razão pela qual me procuras, e então dirias que no caminho te seguraram as mãos e exortaram, num murmúrio encriptado

Abre a porta

Escolheste a última, a minha, não para pedir o amor ou a salvação, porque não sou aquele em que crês. Sei que a escolheste "para que sonhar doesse menos". E agora só queria que arcanjos descessem sobre nós sua linguagem de luz e de sombra, que este fosse o lugar de cedermos ao fogo e à queda, que houvesse uma casa e um pai e um regresso de lá longe de onde vieste, um dia. Porque eu não sei dizer-te que a palavra, o amor, os poetas, o pai, o firmamento, o abismo, te esperam. Porque eu não sei dizer-te que talvez estejas só.