sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

DERRAPAGENS DA VIDA: A MORTE

Foto de Jorge Ferro Rosa
As ruas envolvem-se de um ar estranho ou talvez eu é que me encontro estranho! Sai de casa para tomar café, para procurar o sentido do dia e o tema de conversa por aqui e por ali, era a morte. Fala-se sempre da morte do outro… tudo nos conduz e encaminha para tal. Os sentidos na maioria das vezes são bem traiçoeiros… afinal, onde começa e acaba a morte? Pensar e falar da situação por vezes deprime… hoje pelos encontros que me aconteceram falaram-me de vários casos; um dia será a minha vez! Morre-se das mais diversas maneiras, entretanto o cérebro vai assumindo as situações, com mais ou menos dor. Afinal, quem é que está preparado para morrer? Depois de olhar para tudo isto, não pedia para nascer e a morte vai agarrar-me um dia e não tenho hipótese de fuga… nem as crenças resolvem a situação, apenas iludem. Alguns amigos e familiares meus já morreram, confesso que senti uma grande aflição. O próprio envelhecimento é um sinal de que caminhamos para o fim, para o nada. Penso na situação, a minha mente é a única realidade, somente ela me dá o sinal… as dores do corpo, a sensação de desagrado é captada pela mente, também não serve para nada, contudo, existem por ai muitas teses a tentar defender o oposto. Também não serve para nada… isto é mesmo estúpido! Desculpa, preciso falar disto, ainda que se considere também estúpido. Todos morrem… os médicos, os padres, o mendigo… todos, nem um escapa; novo ou velho, todos vão. Apenas me apetece escrever e também não serve para nada, confesso-te se penso bem a sério nestas realidades, o melhor é escolher a morte mais ajustada! Também não serve para nada; o melhor, penso, é dormir no silêncio e em sono profundo, até ao âmago da inconsciência, tomando-me no silêncio eterno no pó original.
Observo os movimentos das pessoas na rua, a expressão de cada qual; sinto-me a caminho de me deixar de sentir e lágrima alguma será solução para as questões da morte. A mãe morreu naquele dia! A tia também… o amigo também. Foram simplesmente. Ensaio, contos, poemas e teses falam de morte… as prateleiras são o cemitério da morte. E tu, dói-te alguma coisa? O pulmão, o estômago, o fígado, os rins, o peito, os intestinos, a prostrata, não contraíram tumor? Exames… medo! Dói o coração? Existes pela dor, porque sentes… a consciência é de vida ou de morte? Enquanto percepcionas faz sentido a vida! A preocupação conduz a estados mais ou menos terríveis de alarme; o alarme começou desde a concepção, desde fusão entre o espermatozóide e o óvulo. Os programas da existência são verdadeiras aventuras, joga-se, perde-se e ganha-se. O que vivo é o aqui e agora… o amanhã ninguém vive; é esta sucessividade presentificada de prazer ou desprazer que configura o sentido da existência até que a morte bloquei o sistema, como vírus para o qual não existe modo de o eliminar. O cadáver é um corpo que foi devastado pelo vírus da morte, esse estado de estranheza, ao que prevalece para todo o sempre sem que se possa fazer alguma coisa que o torne ao estado anterior!
Nestes dias andei por um cemitério, olhei campa a campa, jazigo a jazigo, diversos tipos de urna… sabes o que senti? Paz! Fiz algumas fotos e senti que o meu lugar e repouso eram ali. Fatalidade de sentido, talvez o meu estado mórbido, enquanto apreensivo e impotente perante uma realidade que é comum a todo o mortal. Reflectir sobre estas coisas também é importante, parar um pouco, descer às profundidades… não me importava de ficar agora lá na profundidade, contudo é necessário anular todos os meus sentimentos! Não quero nada, não espero nada, apenas quero o sono eterno para esquecer de uma vez por todas a estupidez da existência que é temporária para cada ser vivo. Fui… o texto está em processamento e a morte é a justificação do todo.

Vila Franca de Xira, 21 de Dezembro de 2007 - 15:04h
Jorge Ferro Rosa, Caderno da Alma
Escrito na cafetaria "M Neorealismo", do Museu Neo-Realismo.

2 Comments:

joaninha said...

Falar de Morte! Pois é realmente um tema muito belo, pois que todo o desconhecido tem uma beleza ímpar. Da Vida todos falamos, até com conhecimento de causa, contudo, a Morte é abordada até à sua chagada... ninguém conviveu com ela depois de passar aquela porta... são tudo conjecturas...
Gostei do texto e gostei a crueza com que está escrito. A realidade sem contornos falaciosos.

BeatriceMar said...

BOm texto

A foto um espanto.