quinta-feira, 31 de julho de 2008

Com água benta no corpo e um balão vermelho na mão...




Há sombras nas paredes e pontos de interrogação cravados no chão...

Há ideias que parecem certas e outras tantas que sabem a erros desmedidos...

Há marcas estranhas nos locais mais conhecidos e passos que querem ser firmes mas que ainda tremem quando pisam o caminho...

Há dias sem sol e raios de luz em pleno Inverno emocional...

Há noites que deviam ser simplesmente um dia mais curto e nada mais...

Existem coisas incompreensíveis e outras que não quero compreender...não gosto da verdade, mas procuro-a sempre debaixo dos tapetes empoeirados ou escondida nas gavetas mais recheadas...Assim é difícil encontrá-la..eu sei...mas não me importo.

Existem dores que demoram a passar e existem dores que nunca passam....nas horas intermédias apenas se fazem sentir presentes e nada mais.

São como aqueles ecos que ouvimos mas não sabemos onde nascem...mas não deixamos de os ouvir mesmo que eles venham do nada...arrepiam qualquer um.

Existem momentos que deviam ser passados no calor de uma cama ou na barriga de uma mãe, para não nos sentirmos tão frios por dentro.Nesses momentos que nos forçam para acordar ou para antecipar o parto, só nos apetece pedir...deixem-nos ficar aqui, porque aqui sentimo-nos abençoados...





Daniela Pereira

Direitos Reservados

Foto by DeviantArt-Let-them-blow-away by Rubyrubes

terça-feira, 29 de julho de 2008

CAPICUA DO IPIRANGA


A falta de poder de decisão é hereditário,

com a pompa e circunstância duma revolução

és incapaz de ser negligente,

mas precisas de muletas e escadotes justos

para converter os escapes em atitude íntegra.



Há uvas que valem muito pouco,

são vulgares e sem o sabor próprio de sua casta,

tudo o que aparentam é jogo de luz insatisfeito

para afastar, com dogmas, sonhos díficeis

sem auxílio nem da cafeína, nem de catanas.


Olhas-me como um telecrã desconfiado,

curioso como doce de manga mais interessado

em pregar o rigor escrito do seu partido.


Foge já do diafragma sem pressões e

come-lhes a vulnerabilidade do desconhecido,

deixa-me os caroços cirúrgicos que estão a mais

no mau olhado constante de frustração e seiva

que é ser intermediário submisso de algo impossível.


Fala comigo portanto

sem gritos, tenho-te preso a

essa sabedoria majestática, meu

favorito impotente, podes

bater-te e expulsar-me que estou em ti

reprimindo a dobrar,

sabendo que existo falhado como

migalha de açúcar demasiado

estática, escuteiro reinvindicativo

por viver verdadeiras aventuras.


Insistes tanto

que nunca irei contigo, meu

reles colonizador dum único

infiel sem religião, vais perder

tua fama descontrolada aqui e,

sairei, deste reino amaldiçoado, calmo,

pelo ar, garantindo fraternidade igualitária

cujos motivos desconheces;

desde as entranhas dos indígenas até à

poeira e areias das praias do inconsciente,

ignorarás tudo o que não quiseres ouvir,

morreremos sozinhos assim e

será injusto e será excusado, mas

só trepas palmeiras pelos silenciosos

frutos do teu bem estar, que

demonstra eterna gratidão

arrependida.


IN foto-síntese 2003

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Exposição - Bairro Alto - 30 julho, 22h, a céu aberto !

http://www.design-etc.com.pt/acto_unico_web.jpg

NOS ENLEVOS DA MEMÓRIA

Chama nas minhas veias
Na fogueira do meu sentir
Vulcão de rosas, este fogo!
Vinculo de carícias doces…
Telas onde renasço, o fulgor
Que o poema solicita ao silêncio,
Gavetas transmutadas,
Ausência do rio
Das margens da madrugada.

Fatias de aurora na cidade,
Emoções de água fria…
Perfumes difundidos,
Palavras da existência
Entregas da emoção solfejada
Trilho que me converte
Lançando-me no mar cativo
Na espuma dos beijos.

Doce reencontro com o vento!
Talvez com a rocha, os penedos
As esculturas da natureza…
Enlevos sedosos, totais,
Foco dos olhares cúmplices
Nesta vaga escaldante…
Salgando os delírios, o amor
O sexo das memórias inacabadas.

A maré ainda sopra beijos,
Na cor desliza o meu corpo!
Este labirinto guarda as entradas
Os silvos que desembocam ali…
Na tua pele que rebenta de virgindade,
Bússola de danças semeadas
Êxtase bordado de lírios de mel
Inventando sabores!
Tons violáceos do tempo carente.

O silêncio traça a proibição do sonho,
Escondimento da ilusão, nas conchas…
Na espuma suspensa, suprimida
Nos zumbidos do canto maior!
Confesso… sou ave que flui…
Tempo difuso na alameda do beijo.

Vila Franca de Xira, 27 de Julho de 2008 – 17:21h
Jorge Ferro Rosa, in Caderno da Alma

domingo, 27 de julho de 2008

Manel percebeu que fazia um casal perfeito com Maria no dia em que reparou que ela, de todas as vezes que ia ao supermercado, comprava leite. Era uma pequena compulsão que se ajustava muito bem com a dele, que em todas as idas às compras trazia cereais.
Sentiu-se enternecido ao perceber que teria uma casa onde nunca faltaria o pequeno-almoço.

(também na minha casa de todo o ano)

sábado, 26 de julho de 2008

NO RITUAL DA PALAVRA AUSENTE

Palavras lindas e profundas com cheiro de rosas
Traduzem as verdades que dizes ser mentira…
São a realidade que não te assiste, enfim
Embelezam as minhas simples prosas
São gotas de matinal sensação… que conspira
Purezas do meu eloquente e total jardim.

Palavras diferentes das tuas, certamente
Não são ruídos da rua, talvez seja confusão
Como sempre por raiva esse rebaixar
Essa forma discreta de armar confusão
Porque é do tempo amargo a podridão
Por aquilo que não tem importância…
A um pretexto para tema do coração.

O teu querer não pode ser assim…
Não são os amigos objecto de usar!
Cantas a dor de não conseguir enfim
Fazer de mim, a força do verbo amar.

Sou tudo isso que de mim falas…
Apenas na tua cabeça o posso ser!
São as palavras as tuas bengalas…
A explosão secreta desse doido entender.

Minhas palavras não são para toda a gente!
São palavras que trago no meu peito…
São doces, amargas, certamente diferente
Talhadas à medida do impacto e do feito,
Qual sinfonia do entardecer ao sol poente
Na palavra do ritual que assume, certamente.

O teu querer é outra situação mais assim,
Deixa de inventar agonia onde não existe…
Não estragues com o lixo o belo jardim
Deixa-te de loucuras, não digas o que não viste.

As minhas palavras são as minhas orações…
São as que modelam todo o meu ser!
A minha loucura, sanidade de tudo e nada,
Falsidade ou verdade, este misto pela compreensão!
De insulto vestem quando tomam de razão…
Tal como o teu malabarismo controlador,
Que tenta matar aquilo que está sem solução.

Não caminho no caminho do fingimento,
Tenho mais que fazer, também não sou de ficar
A dizer sempre o mesmo para agradar…
Vou embora, sou livre como o vento.

Nestes véus de poesia lançada ao mar…
Quem navega poderá aqui encontrar,
Tufões ou tempestade, talvez nevoeiro!
Deixa as palavras, são as minhas palavras a cantar
O meu amor que ao céu subiu, não traiçoeiro
Porque da traição fui do início o primeiro.

Vila Franca de Xira, 26 de Julho de 2008 – 21:17h
Jorge Ferro Rosa, in Caderno da Alma

quinta-feira, 24 de julho de 2008

De Corpo e Alma


Convite

tem o prazer de convidar V. Exa. e família para, no dia 8 de Agosto, sexta, às 21 h, assistir à inauguração da

Exposição individual de pintura de

Cátia Rodrigues ...

na biblioteca de Vale de Cambra

quarta-feira, 23 de julho de 2008

PRAZER OU LEI DE SI MESMO

Falo-te da experiência do prazer, ainda que este seja filtrado pelo pensamento! Entendo que seja muito complicado falar-te daquilo que na sua verdadeira esfera é abismal, dando-se no imediato de si. Nada de patologias ou transfigurações maiores… Constituis uma dessas dimensões na grande dimensão da actividade livre do grande jogo da alma. Não te vou falar do caderno da alma e os desvios tresmalhados, mas disto que me direcciona, face à minha modéstia força ante o sentimento de prazer convertido, na admiração de um foco, ao que se obedece. Não te admires, mas toma em ti a felicidade que é possível e não derrames o fôlego do espírito nem coloques em causa o que não tem razão absoluta. Respeita e cumpre a palavra porque tentarei fazer o mesmo… já comecei. Doseamos o racional com o sentimento. Como sabes, o sublime arrasa e assinala momentos específicos de que não se pode dar conta! Perco-me! Viste isso! Será que dás conta de mim nesta cobertura que alimenta um outro tipo de conhecimento do prazer? Será? Nada de espanto! Encontramos nos obstáculos grandes experiências particulares, são estes dados que nos aproximam daquilo que fora dialogado parcialmente. Pouco ficou esclarecido… abriu-se uma fronteira que carece de elucidação face aos procedimentos em causa.
A alma tem o seu poder, ela afeiçoasse com as suas regras e os seus modos, integrando, traçando diversos caminhos da imagem, pela surpresa daquilo que está disponível. Este estado não conhece preenchimento definitivo, nada toma em si, mas exerce o núcleo da entrega. Entregamo-nos no momento para o momento, onde os sinais excluem o raciocínio. Agora falta preencher a rigor o entendimento da forma disso mesmo que me falaste pelo diálogo construtivo. O segredo do funcionamento do teu olhar neste diálogo ultrapassa a minha percepção, a minha imaginação… reside sim nesse foco um emblema, cuja imagem não consigo reproduzir na totalidade, escapa algo ao que me causa grande dificuldade. O julgar perde-se pela ausência de imagem, como a do teu sentir face ao meu. Não julgues muito, orienta o fim e ajusta-te do modo agradável…
A experiência alarga o olhar e vamos fazendo construções… a relação que temos é uma construção, onde buscamos um sentido, a orientação para o fim prazenteiro. Não será agradável?
O sentido do sentimento é interior ao sujeito onde a compreensão unifica determinados princípios de uma disposição específica em acordo com a produção das vontades e das intenções um dia fundadas. O fim foi o acordo… lembras? Isso. Perfeito! Apresento-me pela ideia da forma na conformidade do desejo, orientado pelo fogo da imaginação. Nada de derrubar o ponto de vista contingente, nada mesmo… sustenta aquilo que puseste à vista! Avança pela concretude e mantém-te como és no respectivo contexto de implicação; reavalia toda a situação porque nada mais do que isto para fundamentar todo o sentido evocado.
No seio do grande fogo não existem mais regras, somos a força do sentido no comportamento particular da lógica unificadora. Neste acordo, é bela a unificação dos parágrafos que construímos, fundindo o gosto e ultrapassando os critérios impostos, esses circunscritos à nossa revelia. Ilumina a dificuldade pela afeição, toma-te para lá do plano crítico.
Este diálogo produz a nova forma, a força exemplar, o concerto perfeito, o único, cujo trilho vivencial é singular, alimenta a leveza do encontro que não esgota… o prazer. Estamos em vida pelo prazer! O prazer é a lei de si mesmo, a esfera que não constitui outras representações. Não penses na forma, toma-te na acção da vontade e deixa o vulcão lançar as suas lavas… lá fora começa o calor e o tempo apresentará a verdadeira resposta que entendo ser insuficiente. Não prives lança-te no projecto tomado por acordo, o acordo vivencial do prazer que ilumina a dificuldade! O passado permite a reflexão e o presente é a verdadeira realidade daquilo que temos, o fundamento deste estar aqui.

Vila Franca de Xira, 23 de Julho de 2008 – 02:03h
Jorge Ferro Rosa, in Caderno da Alma

terça-feira, 22 de julho de 2008

PALAVRAS SÃO MEDO POR VEZES

Não sei se quero ou possa querer!
Tenho medo de dizer…
Mas continuo eu, a ser eu no viver
Continuo a desaparecer no silêncio
Quero mas tenho medo
Quero ser e não anular-me!
Tudo o que sinto não devo dizer.

No absoluto do teu olhar fixar-me,
Fazer, construir um novo mundo
Viver contigo na paz da cumplicidade
Não te perdendo novamente!
Mas sendo na calma, a calma certamente
Fundindo o todo da totalidade.

Que verdade… faltam outras cores,
A beleza foi esculpida para a vida
Para todos os sabores…
Não interessa o universo!
Nem as definições, nem o absurdo
Nem este amor pela filosofia
Nem o que te disse ou ficou por dizer!
Calma… repousem as confusões…
Fica comigo na página europeia
Fica com o sentido deste sentido.

Seremos o deus em que creditamos!
No outro… apenas respeitamos… somos;
Os contornos do eu serão a verdade eterna!
As tuas palavras são um desafio…
Tenho medo, ainda não te disse,
Sim, tenho medo… jogar é para ganhar
Por norma perco sempre! Tenho medo
Não me condenes! Estou diferente,
Disse-te que apenas quero teclar, teclar
Teclar e tudo, esse tudo veiculado no ter
Ainda que não exclua a outra possibilidade,
Essa que desde sempre captou a verdade.

Vila Franca de Xira, 22 de Julho de 2008 – 07:46h
Jorge Ferro Rosa, in Caderno da Alma

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Lançamento do álbum

MERIDIANOS DO ENCONTRO

Pedaços de folhas soltas constroem uma grande verdade, autentica, sustentando o difuso do nosso envolvimento, as memórias e os segredos do perfil por rostos que o imaginário retém em memória. Este rosto vinha do passado, na ressonância do silêncio, com os feitiços do crescimento, ainda que a nostalgia balouçasse as sobrancelhas do berço perpétuo.
Os meridianos do nosso rosto guardam sempre um misticismo dourado, conduzem a terra do coração pela espessura do sorriso.
O espelho da tarde traçou os puros devaneios do epílogo arrefecido e a dança foi um culminar do projecto dos anos. Os meus olhos brilham corrosivamente, descem o rio das lendas repousando no campo da tua paz. Os pequenos segredos guarnecem as nossas viagens, as fontes da abertura unificadora, este todo tornado unidade que desliza na dança do amor pelas horas que se conquistaram.

Vila Franca de Xira, 21 de Julho de 2008 – 09:34h
Jorge Ferro Rosa, in Caderno da Alma

domingo, 20 de julho de 2008

Conheci um mimo cujo espectáculo era um autêntico mimo.
Garantiu-me que a chave para o sucesso na preparação dos seus números era a observação da sua criação de bichos de seda. “Tudo faz sentido a partir do momento que se aprende a acompanhar o desenvolvimento de uma minhoca até ser borboleta”, disse-me uma vez, “claro que há que ter consciência que o que importa mesmo é o casulo com a seda. Mas não se consegue a seda sem o bicho”.

(também na minha casa de todo o ano)

BATALHA NAVAL DA BOCA PARA FORA


Ouvi certo dia um vácuo velhote de tasca gritar
Que perder um amor é muito parecido com sufocar,
Ao longo de noites sem numeração possível
O corpo contorce tamanho desabafo silencioso para si mesmo,
Sente-se uma batida e os pés a quererem distrair-se
Da carne fria que deseja ser magoada, ainda hoje,
No desafio ao masoquismo escondido na dor de cada um de nós.

Dão-se inúmeras reviravoltas para não acabarmos sós,
Podem ser enganos instigados por castelos e princesas ao luar,
Insultos que ficam cá dentro a alimentar as cicatrizes ou
A predisposição para nada nunca mais sentir,
Não são poucas as críticas contínuas que se relembram,
Feitas propositadamente para penetrar a epiderme,
Com desespero em vez duma agulha, aglomerado de sangue escuro
Que já não deseja algum tipo de relacionamentos futuros.

Tratar-se-á nossa existência de mero fluxo deprimente
De cedências, bafejam som que destroí o veneno que nos fez sorrir?
No fundo sempre se soube e nada se faz para modificar
Sofrer do juízo inicial de plasma mágico que me
Arrastou para tamanha regalia, sublime nova única
Felicidade – ideia seca e errada no mundo das cidades
Indecisas, baseadas na aparência ou no celibato –
Arrasta-me até tal lânguido entorpecimento onde perderei,
Por definitivo, qualquer resquício de consciência.

2003
in foto-síntese

sexta-feira, 18 de julho de 2008

POR QUE LADRAS TANTO HOY

POR QUE LADRAS TANTO HOY


Que lento descubres la casa
y la foto amarillenta de los muertos
cuando traes en el diario
noticias del ultimo huracan
y sabio siembras la ternura
con tu melena triste


que ira te invade
cuando hay ladrones junto a mis libros
y no escuchas a la remington
violar la tarde y su silencio


que espiritu responde
si lames las heridas de mi carne


por que ladras tanto hoy
si aqui en Paris es viernes de sol
y aun Jesus no ha repetido
aquella oracion ante mi tumba


poema de Carlos R. Chacon Zaldivar

quarta-feira, 16 de julho de 2008

SONO DE CALIGRAFIA

Todos os mitos… vício azul,
Este acordo unilateral, talhado
Pedras secas, muito fortes
A cor das palavras, resolvidas,
A metamorfose das questões…
O mundo onde divagas e és.

Madrugada na tarde alegre…
O faz-de-conta das ideias,
Este sono de caligrafia,
No desejo esquivo da noite,
O contorno da clareira complacente.

Círculos vermelhos, danças…
Interior mais elevado… contorno!
A poesia da maçã verde,
O sabor inicial, ausente
Tudo tão belo, as vozes
A harmonia dos guindastes
Este despertar que se oferece
No inócuo sentido do amor…
Tarde doce, quente que arrefece.

Vila Franca de Xira, 16 de Julho de 2008 – 17:09h
Jorge Ferro Rosa

A face escura da noite


quando o medo se nos apega à pele não há fogo ou sol ou canto de pássaros ao entardecer que o destrua. porque estamos presos às raízes da infância. no caso dela, ao medo das palavras gritadas do outro lado do telefone. e nem mesmo o barulho das ondas ao fundo a salvou do sangramento diário do coração.
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[Foto: Andreaa Anghel]
Também aqui
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#009

técnica mista sobre madeira
[61x122 cm]
Casa da Juventude - Câmara Municipal de Sintra

segunda-feira, 14 de julho de 2008

as faces


Hoje analisei-te ao espelho pela primeira vez na vida.
Espantado perante tão vaga ideia de mim mesmo;
sempre escondi as marés do medo numa arrogância inconsciente,
agora compreendo os cristais gastos que criei como protecção
(viver sem me importar, afastando-me de todos).

Sou apenas nem um minúsculo suspiro
ensanguentado pelo engano da criação,
ervilha hérculea pervertida, polinizada sob a crosta
fechada a lacre personalizado no envelope interior,
aprendendo a lidar com a própria caricatura
e respirar paz prespectivando o aerodinâmico nada.

Compreendo que aqui e assim não quero ficar
enfrentando sozinho os recantos obscuros da personalidade,
pânico e histeria apoderam-se (gostava de conseguir desistir)
dada a complexidade de amarras desta injusta condição designada humana,
que as disfuncionais Felicidade e Maturidade apodreçam
fugindo por sombras invisíveis, esperando ao virar da esquina
pela revelação que me acorde deste sonho incompleto e
me esfaqueie até à enseada da temida Morte...



in
foto-síntese
2002

domingo, 13 de julho de 2008

Na audiência de julgamento, quando o juiz, após ler a acusação de homicídio, perguntou a Artur se queria prestar declarações, este respondeu indignado que sim, que pretendia declarar-se inocente.
Perante o pasmo de todos os presentes, explicou que, do que tinha lido na acusação, apenas se tinha apurado que Laidinha tinha sido assassinada com 3 facadas no coração e que ele seria o autor dessas facadas. Argumentou que a acusação não estava correcta, tinha de haver outra causa de morte porque Laidinha não tinha coração, aliás, era a mulher mais cruel que alguma vez tinha conhecido, portanto, nunca ninguém poderia ser condenado nos termos da acusação. Muito menos ele, que tinha investido tanto num curso de cozinha japonesa, para, eventualmente, a matar com algum pedacinho de sushi menos saudável.

(também na minha casa de todo o ano)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Exposição Casa da Animação




"Com o perdão das senhoras presentes, me estendo um pouco mais sobre esse romance que viria a ter um papel tão, tão , tão, como direi?, em minha vida, por puro medo de que essa história nunca venha a ser publicada, privando a espécie de uma de suas obras mais, mais e mais, daquelas que dá pra segurar na mão e brandir para as estrelas dizendo: vocês não perdem por esperar.
Nada poderia ser mais estranho para o leitor habitual de fábulas, ávido por emoções fáceis, detalhes picantes ou registros agudos do cotidiano, arquiteturas redondas e enredos envolventes.
Não Propp.
Seu romance é abstrato. Quer dizer, um romance feito de todos os romances, seus personagens são todo os personagens possíveis.
Como isso foi possível, só o gênio do professor explica, e o gênio é inexplicável, como nós todos, seres gasosos dos pântanos de Canópus, sabemos.
O fato é que descobriu que todas as histórias, no fundo, constituem UMA SÓ HISTÓRIA. E aplicou-se a descobrir a cadeia de constantes, a lei lógica e matemática que rege a geração de enredos, o vertiginoso movimento das constelações que constituem uma intriga.
Todo entrecho, para ele, reduz-se à combinação de algumas funções básicas ( trinta e uma, se não me engano: um dia, perguntei por que um número tão quebrado, por que não trinta ou quarenta, e ele me respondeu com uma frase latina, saiam da frente, Virgílios e Cíceros, algo assim como "numerus impar deis placet", aos deuses agradam os números ímpares, e rematou dizendo que, por mais que a gente tentasse reduzir a realidade e a vida aos números pares, elas sempre seriam ímpares, os pares não passando de uma mera fantasia humana, o médico e o monstro, o casal perfeito, Sansão e Dalila).
Em nosso último encontro, fantasiava uma psicanálise do impar.
- Ménage à trois, professor?
Claro, o romance de Propp não era, apenas, mais uma dessas obras destinadas, apenas, a proporcionar prazer a um leitor eventual.
Propp não. Ele era médico. Queria curar. Quer dizer, dizer NÃO ao real, que quer a doença. Não à inexorável lógica última e suprema de todas as coisas e de todos os processos, aquela coisa que quer que a pedra caia quando jogada pra cima, o que quer que seja que as flores nasçam na primavera e no inverno a gente tenha que usar cinco (ímpar!) roupas sobre o peito.
De Propp, fica esta idéia, tenho certeza. A saúde através daquilo que ele chamava Funções dos Personagens, e suas cambiáveis, mas previsíveis combinações.
Não ficava perguntando se você já tinha alguma vez tido vontade de chupar a buceta de sua mãe para voltar ao útero, e , mamando, acabar com tudo isso, de uma vez por todas. Ou se você tinha fantasiado ver o saco do seu pai servido num prato ao molho pardo.
Grande diretor de cena, em um minuto, você já estava passando da Função 1 para a 4, da 3 para a 7, da 6 voltando à 2, uma máscara atrás de outra máscara atrás de.
Cada uma das Funções, até 31, tinha um nome e uma definição precisas (uns dois anos para decorá-las todas, no rigor da sua ordem: enquanto isso, quem vai ter tempo para ter problemas psíquicos).?)
O sucesso obedecia ao seguinte esquema, este é o esquema do fracasso do herói. A felicidade, lembro, seguia o esquema, personagem sai de casa, enfrenta os perigos do mundo, personagem volta pra casa.
Nesse meio tempo, eu, você, Hércules, Ulisses, Kennedy, Alice, Fausto, Adão, Guilherme Tell, Robin Hood, Frankestein, o herói, enfim, passava, a gente passava por certas peripécias básicas, sempre as mesmas, só mudava a ordem.
Era confortador. E era apavorante. Gostoso saber que você pertencia a uma lógica maior que você, um fundo contra o qual tua figura se projetava. Mas eu cagava de medo de saber que viver, então, era só isso, e assim, e não de outra forma.
Preparava, pouco antes do seu trágico desaparecimento, uma retórica do desejo, que o tempo não permitiu acabar. Da "Retórica do Desejo", guardo ainda algumas notas, pepitas de ouro recolhidas nas enxurradas da vida."





Paulo Leminski, "Agora é que são elas"
Brasiliense, 1984



IN: http://www.espasmobanal.blogspot.com/

terça-feira, 8 de julho de 2008

Beijos



"Beijar!", linda palavra!... Um verbo regular

Que é muito irregular

Nos tempos e nos modos....

Conheço tanto beijo e tão dif'rentes todos!...

Um beijo pode ser amor ou amizade

Ou mera cortesia,

E muita vez até, dizê-lo é crueldade

É só hipocrisia.

Mário de Sá-Carneiro,
Fevereiro de 1910

micro-ensaio sobre a amizade









Na biblioteca um livro assinado e dedicado, com a sua amizade, a alguém pelo seu autor. Que terá acontecido ao dono do livro para este ter ido parar à biblioteca? Terá morrido? Terá o Estado penhorado o livro entre um montão de coisas da sua bela moradia e depois doado à biblioteca? Se o Estado penhorou o livro, e sublinho o que já disse – um livro assinado e dedicado a alguém – então o Estado já penhora sentimentos e já se imiscui na Poesia enquanto algo mais do que o mero livro penhorável entre uma série de objectos pessoais.

O autor chama-se Abelardo Rodríguez. Resolvo não procurar informação acerca da sua pessoa, não sabendo questões básicas como, por exemplo, se vive, morre ou está morto. Olho para ele através da foto que consta de uma das páginas iniciais, com uma barba escura e séria. “Abelardo Rodríguez”, repito a mim mesmo. Enquanto escrevo isto resulta que se me afigura possível que o Abelardo (ou os seus filhos ou netos, legítimos ou bastardos) , procure no google pelo seu próprio nome e encontre estas considerações de alguém que não conhece, seu equidistante a muita ou pouca distância.


O Abelardo ficará triste. A biblioteca é detentora de parte da sua amizade. E hoje apeteceu-me requisitá-la.



Texto de Tiago Nené
foto de manuel a. domingos

Desprezo



Um escritor de fracos recursos começou a escrever: O que é a justiça? Ficar com as duas pernas cravejadas de balas para que nenhuma se fique a rir da outra. Receber um murro em cada um dos olhos para que nenhum permaneça esbelto. O que é justo? Ver o assassino que nos matou o filho apodrecer na cadeia. Sentir que o filho assassinado não vai voltar à vida. Contradição. Existe a justiça, sem dúvida. Várias justiças. Mas nenhuma delas consegue existir sem a contradição. Nenhuma alegria é eterna: passamos anos a sonhar com um prémio e, quando o recebemos, ficamos com uma ligeira sensação de desilusão. Nenhuma justiça é total: um mata, o outro morre. É sempre assim. Não existe a balança, o medir de diferentes pesos. Não existe o equilíbrio. A realidade é feita de pequenos e de grandes sofrimentos. De pequenas e de grandes dores. Respirar é habitar um mundo que pede ao animal para que escolha entre o herpes no lábio e a apendicite, entre a rótula amachucada e o punhal no coração.

Quando acabou de escrever, o homem, que dava pelo nome de Adam, foi ao quarto espreitar a sua princesa. Eva. Dormia com um sorriso. O escritor não a quis incomodar. Foi fazer um café à cozinha, acendeu um cigarro, coçou os testículos. Voltou para o computador mas não lhe saíram mais palavras dos dedos. Quem escreve não consegue provar, como o carpinteiro, que o seu trabalho é honesto e que merece ser pago. Uma dúzia de linhas por dia não dá para pagar o pão da mercearia. Naquele momento, o escritor não tinha mais nada a afirmar. Por esse motivo, ligou-se à Internet e foi ver pornografia. Passados trinta minutos, desligou a máquina e levantou-se com o intuito de perturbar o sono à sua nobre dama. Eva, a que dormia de forma sorridente, foi acordada com um pénis dentro de si. De início sentiu-se um pouco violentada. Contudo, à medida que o pénis do escritor aquecia, ela própria ia ficando excitada. Até que chegou a ejaculação precoce. A pornografia estraga a performance masculina.

Acendeu um cigarro.

«Dormiste bem?», perguntou.

«Como uma fada.»

«O teu sorriso excitou-me.»

«Nem sabia que olhavas para mim», disse ela.

Os artistas são egoístas, diz-se. Adam tinha consciência de que o seu cérebro só produzia ideias que envolvessem a sua própria pessoa. Mesmo assim, decidiu mentir.

«Estou sempre a olhar para ti, querida.»

«E as outras?»

«Quem?»

O mesmo de sempre. As mulheres, as traições, os textos falhados, as relações frustradas, o mau sexo.

Eva sabia que era amada pelo seu homem, mas de forma pouco normal. Ele passava os dias a escrever no computador, tentava publicar alguns artigos em revistas, publicava um romance de tempos a tempos, e, nos intervalos, arranjava tempo para a beijar, para lhe dizer palavras bonitas. Mas pouco. Na maior parte do tempo, Eva estava sozinha a pensar no que poderia fazer dos seus sonhos, nas vidas que poderia ter, no tempo que estava por vir. Sofria por ele. Sabia que existiam outras mulheres, outras amigas.

«O que vais fazer hoje?», perguntou ela.

«Vou escrever.»

«E amanhã?»

«Vou escrever.»

«E nos outros dias todos?»

«Vou escrever.»

«E daqui a um milhão de dias?»

«Vou escrever.»

«Nesse caso, adeus. Vou fazer as malas.»

«Porquê?», perguntou ele.

«Porque és um mau escritor que deveria dar mais importância às partes boas da vida.»

«Quais são essas partes boas?»

«Eu, por exemplo.»

Eva não se iria embora, não ganharia nunca coragem para abandonar o seu homem. Não que fosse uma pessoa fraca por natureza, apenas padecia da doença do amor. Ele também a amava, mas isso não chegava para se comportar de forma diferente com ela.

Um fragmento dos cadernos do escritor falhado: O desprezo é um sujeito fornicar com uma mulher que dorme.

Um pensamento de Eva: Embora preferisse morrer do que me separar dele, não aguento mais; quero desaparecer, afogar-me em alto mar, começar tudo outra vez.

«Dá-me um beijo.»

«E um abraço.»

00:04

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Por coisa nenhuma e por uma coisa de nada...





És o meu amor de coisa nenhuma..

e por coisa nenhuma assim te fizeste em mim...

Se o mar tivesse voz e não um rugido rabugento...

à muito que teria dito...

Basta, desta onda alucinada

tu não levas mais nada!

E eu teria deitado as lágrimas na areia..

teria escondido o rosto num rio improvisado

e só quando o mar

me cuspi-se para fora

eu saberia a verdade...

e não precisaria de coisa nenhuma

para a saber...

Que és um gesto no meu olhar...

uma gota de luz sombria

que na cor disfarça

todas as sombras...

Arco-íris de tudo e todos os sabores

a rasgar-me o céu

com a boca cheirando a fumo

e eu não morro sufocada...

habituo-me ao teu gosto

e fumo-te os lábios

até à exaustão dos meus pulmões...

E assim..

por coisa nenhuma e por uma coisa de nada

aqui ficaste no meu corpo...

a atravessar a minha alma

de lès a lés

como se eu fosse um quilómetro ainda por percorrer

mas já tão batido pelos teus passos

que em pouco tempo

lhe adivinhaste toda a paisagem...

E o que nasceu por coisa nenhuma

parece querer morrer por uma coisa de nada...



Daniela Pereira

Direitos Reservados

http://devaneiosazuis.blogspot.com/

domingo, 6 de julho de 2008

arrepios


Acordado pela cruel chuva que não cessa de cair
olho e vejo teu amoroso glóbulo acastanhado,
da estéril cor do mel,
exalando entranhado perfume
tão doce, tão eterno, tão querido.

Circunscritos, sem tormentos, lado a lado,
bem agarrados no primeiro vão de escada
já chega de dor meu anjo adorado
neste casulo deixamos de sentir,
vendo a vida do exterior
inconscientes ao vento húmido e frio
que sopra sinistro mas longínquo...

Tua mão ao de leve toca-me
bem no fundo do meu descuidado coração,
canta o Outono
coram as estrelas na sua imensidão,
com contentes carícias nos teus braços,
deixo-me ser amado...

Ouve-me,
ouve-me devagar
meu frágil anjo estelar,
sem ruídos de fundo
para mais noites calmas
sem sangue nem vísceras.

Vem,
vem passear comigo até às ilegíveis constelações,
vem passo a passo
nesta sóbria demência
vamos partir corações
para a terra onde ursos polares vagueiam...

(o autor pisca o olho à lua).

Repara nos lábios magoados,
sua cor levemente constrangida,
lá se vão as aragens perdidas...
Que gelada troca de saliva, sabem absinto,
vãs veias relaxam neste incómodo silêncio
enquanto a gasolina perde saliência e
o medo que retorcia o estomâgo
desaparece progressivamente...

2001
in foto-síntese

Naquele verão, Artur resolveu enfrentar o medo que tinha do mar. Depois de passar dias a estudar vários manuais e a assistir a gravações de jogos olímpicos, pagou o bilhete para entrar na piscina municipal, respirou fundo, avançou para a prancha e mergulhou na baia natural.
Fez um mortal simples encarpado que até mereceu aplausos do nadador salvador, que estava bastante receoso da aventura, convencido de que um homem de 40 anos que recusava a tirar braçadeiras não devia ser sequer autorizado a entrar no recinto da piscina.

(também na minha casa de todo o ano)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Maçãs

Exposição em Armamar,terra da maçã de montanha.
de 28/06/2008 a 30/07/2008

quero....

Quero ser novamente livre... quero ser, por uma vez na vida, livre... as prisões que persistem... o presente e o futuro não fazem sentido... e o passado que outrora nos acarinhou e confortou desapareceu de repente... parece uma conspiração universal para nos retirar o tapete de baixo dos pés...




Autora: Porcelain Doll http://impressionantesimpressoes.blogspot.com/

Foto:CharlieRoot

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Prestes

Será muito difícil o dia em que eu consiga falar realmente da minha pessoa. Do Eu? - Respondi-me. Doeu.

VT

terça-feira, 1 de julho de 2008

Desmascarando-me

Vive a vida o mais intensamente que puderes. Escreve essa intensidade o mais calmamente que puderes. E ela será ainda mais intensa no absoluto do imaginário de quem te lê.
Vergílio Ferreira