quarta-feira, 30 de abril de 2008


Não há motivo para te importunar a meio da noite,
como não há leite no frigorífico, nem um limite
traçado para a solidão doméstica.


Tudo desaparece. Nada desaparece. Tudo desaparece
antes de ser dito e tu queres dormir descansada. Tens
direito a um subsídio de paz.


Se eu escrever um poema, esse não é motivo para te
importunar. Eu escrevo muitos poemas e tu trabalhas
de manhã cedo.


Toda a gente sabe que a noite é longa. Não tenho o
direito de telefonar para te dizer isso, apesar dessa evidência me matar agora.
E morro, mas não morro. Se morresse, perguntavas:
porque não me telefonaste? Se telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são?
Ou não atendias. E eu ficava aqui. Com a noite ainda
mais comprida, com a insónia, com as palavras
a despegarem-se dos pesadelos.



José Lúis Peixoto
Foto: Katia Chausheva

Apresentação em Beja


Infelizmente não poderei estar presente, como fora anunciado no programa provisório do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, na apresentação de Murmúrios das Profundezas, álbum de banda desenhada em homenagem a H.P. Lovecraft no qual colaborei com a adaptação do meu conto Chtulhu na Horta, parte doutro trabalho literário em progresso do qual darei conhecimento na devida altura.

Artur não gostava de surpresas, abominava o absurdo e era alérgico a chocolate.
Na tarde em que abriu a porta de casa e deu de caras um orangotango a pedir-lhe uma chávena de farinha, teve a certeza que tinha morrido e estava no purgatório. Mesmo assim, sentiu esperança: se, em vez de um orangotango, fosse um coelho de chocolate, estaria no inferno. Isso seria bem pior.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Lembrança que não fica na parede

O calendário dava motivo de conversa e na mesa a comida dava o sotaque que o vinho ajudava a desembaraçar. Nas paredes escorriam lembranças por relevos de sempre, sem contornarem os adereços de ocasião.
Ela escusava de se mexer para encontrar o ritmo da dança que todos guardavam, mas ninguém ouvia. Em cada fim da mesa, haviam vidas que valiam a pena contar antes de serem engolidas, tal como a mousse de chocolate, enfeitada para o momento.~
Houve movimentos normais de uma refeição, mas houve outros que me levaram a uma varanda perto do mar, longe de mim.
Ela sorriu para o empregado que atordoado já não servia, limitava-se a ser parte do sorriso. No momento em que a primeira cadeira começou a arrefecer sem retorno, outras seguiram o processo. Ela não saiu e hoje a lembrança também escorre nos meus dias.

também por aqui

Uma página solta no vazio de um diário sem cor...

O silêncio. Dor. Palavras rasgadas. Vulnerabilidade.Profunda revolta interior...

Amanhece.
Anoitece.
Os dias passam e eu estou cega.
Lá fora os corvos inquisidores espreitam pela janela.
A minha alma é um dilúvio de angústia.

São largos os dias, as horas arrastam-se e o meu pensamento perde-se em imagens em replay. Quase não tenho mais forças para chorar...E as palvras que outrora fluiam com harmonia e sede por se revelaram, ficam agora paradas, perdidas na rua, no caos, na miragem dos dias baços. Pegar numa folha em branco e neste lápis para escrever, quase que dói. São para ti estas palavras. Nasceram de um sentimento de culpa. Não pude verbalizá-las, dar-lhes sonoridade ou porventura dar-lhes forma. Disseco agora essa dor que me consome e me corrói nas nervuras de uma folha sem raízes. Quebra-se a luz de uma vida alterada. A vida é tão breve...Mas eu sempre o soube. Desde tenra idade que percebi a luz dos seres nesse estado etéreo antes da derradeira partida para o arco-íris do desconhecido. Um doente em fase terminal sempre foi algo tão diferente para mim. Conheci a Paula, que aos sete anos e ensinou a ver a luz...Mais tarde quando morreu para mim foi a ausência da luz que mais me marcou. Reencontro estranhamente de novo essa luz nos teus olhos...e a angústia do seu significado deixa-me temer. Algures partilho a tristeza de um lápis sem grafite. Coloco o teu sorriso debaixo da minha almofada. Deixo que as lágrimas resvalem sem sentido pelo rosto. Quero espancar o destino. Quero morrer também. O tempo é cruel. Silencio o meu pranto baixinho. A folha de papel branco fica borratada pela tinta negra que inunda os sulcos granulados das palavras escritas em revolta. A velha retórica: Porquê? Algures os meus olhos que ardem, procuram respostas no vazio. Não nos resta muito tempo. Não nos restam muitos olhares para trocar. Não nos restam muitos gestos para dizer o que nãoo pode ser dito pelas palavras. É neste teatro de emoções onde me afundo, como se nas profundezas do oceano pudesse reencontrar o sentido. Estranhamente tão perto e tão afastados pela linha incompreensível de labirintos intermináveis. Antes de morreres, quero conhecer-te. Quero mostrar-te as formas geométricas que ainda não conheceste com a tua máquina fotográfica; escrever-te aqueles versos que saiem da alma com loucura; mostrar-te os gestos não verbais dos diálogos verbais; incentivar-te que descubras as crianças e os seus segredos insondáveis que podem revelar-nos no jogo simbólico; que dançar sem movimentos pré definidos é tão saboroso; o prazer de saborear a textura dos gomos de uma laranja de olhos fechados; como é sentir o pulsar do nosso coração dentro de um búzio; como fica a minha expressão quando tocada pela doce textura de um olhar que irradia compreensão; os segredos compartilhados à beira mar que retiram camadas de pó centenário...
O prazer de um encontro antes da derradeira partida.
Não partas sem tirares comigo um bilhete para irmos flutuar para o mar!
Antes da revolta se instalar ensina-me a ver a luz.

Still Life


Artur Amieiro, Still Life, acrílico sobre platex, 38x25 cm., 1989.
[Tinta acrílica industrial da Robbialac - cores vermelho, amarelo, azul e branco]

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Corpo mais cérebro

Corpo: Eva, vinte e sete anos, mal ouve o despertador tocar, emprega-lhe um murro. Fecha os olhos durante um, dois minutos. Abre-os. Tem um livro em cima da mesa-de-cabeceira, sempre o mesmo livro em cima da velha mesa-de-cabeceira. Um livro escrito por um cego. Lê duas páginas e fecha-o. Levanta-se, abre a janela para observar a movimentação dos carros que passam na estrada. Cospe para a rua, acende um cigarro. Eva está nua a olhar para os carros.

Cérebro: Levantas-te da cama com a sensação de que deverias continuar deitada a aguardar pelo desenrolar do mundo. Nunca ninguém te fez feliz. Costumas dizer que não sabes o que é o amor, o que é a felicidade, o que é a alegria que se sente depois de um abraço, de um beijo. Estavas deitada porque o resto do mundo estabeleceu a regra que diz que o ser humano precisa de dormir oito horas todos os dias. Por ti, ninguém fecharia os olhos. Dormes pouco. Claro que isso não te impede de gostar de estar deitada. Pelo contrário, adoras estar deitada no meio do silêncio a ouvir o barulho que faz a civilização quando não está em actividade.

Corpo: O cigarro apaga-se e, com ele, o interruptor das ideias. Eva enrola-se numa toalha e vai para a casa-de-banho pôr-se debaixo do chuveiro. Como o dia está quente, lava-se com água fria.

Cérebro: Mais valia não saíres de casa. Os dias repetem-se. O mesmo trabalho, o mesmo ritmo, as mesmas palavras. As pessoas estão sempre iguais, mesmo quando alteram o penteado, a forma de vestir, as palavras. Se o teu patrão te aparecesse a falar inglês, não notarias diferença nenhuma. De qualquer forma, costumas dizer-lhe que não o entendes, que a tua boca não usa a mesma língua que ele. Querias ficar em casa a ver filmes toda a manhã, toda a tarde, toda a noite. Ver os franceses, os americanos, os italianos, os suecos. Ler os clássicos, escrever cartas de amor. Sabes que importância tem o acto de escrever uma carta de amor? Numa escala de zero a vinte, talvez tenha zero. Mas faz falta, sabes que faz. Não cometerias tantos erros se escrevesses uns quantos textos por mês.

Corpo: Eva está no quarto a escovar o cabelo. Olha para a cama e grita. Grita novamente, mas desta vez com mais violência. «Sai da cama, urso.» Na noite anterior, a dançar numa discoteca, Eva conheceu um rapaz que lhe prometeu mundos e fundos, que lhe beijou o pescoço, os lábios, as pernas, a vagina e as ideias. Na noite anterior, o álcool dizia-lhe que era boa ideia esquecer a amizade com a solidão e fazer reais amigos, de carne e osso. O mesmo álcool disse-lhe para levar para a cama o rapaz que lhe prometia tudo. A boa Eva, obediente, enfiou-o no carro e só o largou quando, já deitado na cama, largou a última gota de esperma. Horas depois, já sem a euforia da música e dos copos, Eva apercebeu-se de que o rapaz com quem dormira não era bonito, nem atraente. Cheirava mal e ressonava. «Vai-te embora, macaco.» Nos últimos dois meses, Eva fora para a cama com três homens. Arrependeu-se sempre, mas nunca deixou de tentar uma nova vez. O corpo pedia-lhe sempre mais um, mais um, até fazer três.

Cérebro: Pensavas que o amor era uma coisa que escolhias, que te bastava ir à mercearia comprar duzentas gramas de sentimentos juntamente com as línguas de bacalhau. Podes fornicar com quem quiseres, durante o tempo que quiseres. Mas nada de sério te aparecerá no meio da confusão. A confusão é o barulho, as conversas interrompidas, quatro pessoas a falarem ao mesmo tempo, um livro escrito em russo nas mãos de um leitor espanhol. A confusão é procurares sabedoria no meio da ignorância, é pensares que o cérebro consegue vencer batalhas que só o corpo consegue e vice-versa. A confusão é estares presa ao passado mas quereres ir para o futuro usando o corpo como ponte de ligação. Não te queiras enganar amanhã, nem nos outros dias que se seguirão.

Corpo: «Se não te levantares, mato-te.»

Rua do imaginário

Aqui

domingo, 27 de abril de 2008

A vida vale sempre a pena


O Sol brilha mesmo que alguns iluminados nunca o tenham visto.

A vida por vezes, nem sempre é uma fonte de fantasia baseada nos ideais de certos humanos que teimam em limitar o conceito de normalidade, como se as regras fossem a única forma de viajar pela mente e pelo que a rodeia, com as cores e os momentos certos para apaziguar a rotina e assim olvidar o tédio que por vezes se instala.

O Sol brilha, mesmo que as nuvens o escondam e a água teime em molhar o mundo desprotegido da incúria humana.

E a violência dos atentados à vida humana serão mais acrescidos quanto maior for a nossa indiferença. Se há objectivos de felicidade dentro de cada um de nós também é verdade que para os termos, temos que nos consciencializar que o egoísmo que nos incutem é um poderoso veneno contra as gerações vindouras, que se querem mais livres, mas, sobretudo mais conscientes.

2.

Contemplo as pessoas à minha volta, os seus olhares, jeitos de movimentar o corpo. Não é, de certeza, aquilo que o meu chefe espera de mim. Mas também acredito que a pressão que me é imposta, sem a devida compensação, não é a perspectiva de tranquilidade que procuro para mim. Talvez nunca o tenha sido e daí a constante vontade de mudar.

Confesso que se torna um tédio de morte a ânsia de mudança em constante aceleração, mas ela é necessária em nome da VIDA e da falta que cada dia, em pose infeliz de rotina sem destino melhor que a morte, se escapa por entre as brechas abertas por um tempo que parece não mudar, apesar dos furacões e das tempestades que se avizinham e cada vez maiores.

Mas o mundo é assim, e muitos dirão que eu nem tenho que me queixar da vida, tal a miséria que grassa no mundo, e na falta de perspectivas de mudança que persistem e se agigantam a cada dia que passa. Diria que com o mal dos outros passo eu bem, mas não consigo viver indiferente ao que me rodeia, aos apelos que vão surgindo de pessoas tão ou mais válidas que eu e que por azares da vida não têm a mesma autonomia. É um dever que cumprirei sempre com gosto e que me permitirá viver mesmo que me sinta à beira do abismo, querendo abandonar-me nas profundezas dos infernos pessoais que vá apanhando pela vida fora.

Só que a vida vale sempre a pena!

3.

Entretanto o Sol está forte, a sensação obtida pela aragem fresca da manhã compensa o frio sentido na cara e até apetece sorrir.

Ao longe vou observando as pessoas que entram e saem do comboio, apressadas como sempre, indiferentes ao destino que se vai desenhando à sua volta, passando pelos novos ardinas que distribuem os jornais grátis à saída da Estação. No meio da praça alguns vendedores ambulantes vendem produtos contra-feitos, sempre com um olho no cliente a enganar e o outro a ver se a polícia passa por ali. Às vezes lá os vejo a fugir, para outro lugar mais recatado, abrigado dos agentes da lei e da ordem, humanos como todos, apenas com uma farda diferente.

O Sol brilha, mesmo na infinita inquietude do negrume que afecta os incautos passageiros de um ponto ínfimo no Universo chamado Terra, onde pessoas de pigmentação, credos, ambições e corpos diferentes se cruzam diariamente. Decerto da pior forma, mesmo sem terem culpa do destino que lhes está reservado, todas com o mesmo direito de viver. E o direito à vida dizem que foi criado por um ser omnipotente, infinito na bondade e na fúria estabilizadora.

Ainda sonho com a liberdade de espírito a que tenho direito antes de viajar para uma qualquer dimensão paralela. Alguém me quer acompanhar enquanto há VIDA?

05-03-2008

Manuel Marques

outras crónicas no blogue o medo do dia seguinte



Com este tópico me despeço por uma boa temporada do mundo dos blogues, do país e das pessoas fantásticas que espero poder sempre abraçar nos esporádicos regressos a Portugal.

É bom ter vida e até breve!

quarta-feira, 23 de abril de 2008

As maçãs do Paraíso têm bicho da fruta...




Se a lua quiser ouvir os meus passos...

hoje estará surda na escuridão...

Não caminho...

deambulo...rastejo...tropeço...

mas não firmo o chão.

Há um gemido a menos no quarto

e o meu sonho não se vem...

esquecem-se os abraços prolongados...os dedos que se tocam...

o corpo entregue com pele e perfume...

os olhos que respiram alma em todas as sombras...

mas o meu sonho acha que não consegue vir

então foge do meu peito

quiçá livre e solteiro

com o sorriso à mostra nas traseiras

ou com as lágrimas coladas à porta da frente...



Segredos trocados...

feridas lambidas num beijo...

inseguranças reveladas ao lume...

carinhos pintados de olhos fechados ...

o mar a bater nos corpos em contra-mão...



A lua está rota e o luar afinal é reflexo de um vidro riscado...

O sol é quente porque usa termoventilador atrás das nuvens e os seus raios são só vapor...

As maçãs do Paraíso têm bicho da fruta e a Eva tem o coração podre...

Os desejos são confeccionados com chocolate branco mas o seu recheio é feito de dor negra...

A ternura é bem acolchoada nos abraços,mas afinal é forrada com penas doces e só por isso nos aquece um pouco...

Somos drogados por voar com tão pouco no peito...

Deixa-me rasgar uma ou duas palavras da boca

mesmo que a sua falta me deforme o poema...

para os Deuses sou imperfeita

o que custará em mim descobrir mais uma imperfeição?

Até no Paraíso temos lama nos pés...



Daniela Pereira

Direitos Reservados



foto in DeviantArt -

And She came to Ruin my World by *Shutter-Vision

terça-feira, 22 de abril de 2008

Quando os colegas de escritório lhe ofereceram papel higiénico literário, Artur achou que estavam a fazer troça de toda a literatura em geral, e dele em particular – por ser demasiado entusiasta nas suas leituras. Na verdade, os colegas só acharam que a ideia espanhola era mais engraçada que um cheque-livro.
No aniversário seguinte, ofereceram-lhe um cinzeiro. Apesar de Artur não fumar, acharam que era o que mais se adequava.

(também na minha casa de todo o ano)

Festa de inauguração da sede do SOS Racismo Porto


Dia 24 de Abril, a partir das 22 horas, vai haver uma feira do livro, projecções de fotos e vídeos sobre o Mumia Abu Jamal e a sua luta pela liberdade, bancas de materiais, muita música com os DJ's Pedro Ferreira e Ruba Linho, copos and cigarettes.
Contamos com a vossa presença na RUA DO ALMADA, Nº 254, nesta e noutras ocasiões.

Os macacos


Um objecto de cortar, de furar, de golpear, de fazer uma pessoa deitar sangue, de fazer uma pessoa morrer. Uma faca. Um pedaço prateado de metal. Com um objecto desses na mão direita, um homem com cara de lobo, um assassino, não se aproximará de ti com boas ideias. Não te desejará boa-noite. Não te perguntará se o dia de hoje te correu bem ou se te sentes deprimido. Um assassino, como qualquer outro homem mau, deixa-se sempre corromper pelo pragmatismo. Só o que é útil lhe interessa, e é por esse motivo que ele, o mau, se aproximará de ti e, sem dizer mais do que zero palavras, te espetará uma faca na barriga. É um acto injusto, o do homem mau. Reconheça-se que é deveras injusto ver alguém inocente morrer por causa de um pedaço de metal. É muito injusto ver-te morrer no meio da neve com uma faca espetada no bucho, companheiro. Claro que sim. E o que dizer da senhora que morre atropelada por um autocarro ou da criança que morre sufocada no seu próprio cordão umbilical? Injustiça, pois. De joelhos, com sangue nos dedos, na roupa, na boca, na língua, nos dentes, dir-me-ás que sentes a morte e que já pouco do que os teus olhos vêem te interessa. Antes de caíres no escuro, perdoarás o assassino e todos aqueles que ao longo da vida foram praticando más acções para contigo. E nesse momento, no momento do perdão daquele que sofre, voltará a aparecer um pouco de ordem no planeta dos macacos.

00:04


segunda-feira, 21 de abril de 2008

De que falam duas velhas numa noite à janela ?

De que falam duas velhas , à janela,
numa noite de primavera ?
Duas velhas têm muito tempo para falar,
têm o tempo da vida que viveram
e têm o presente, que é infinito
o infinito da disponibilidade de ser velho
de estar à janela,
numa noite de primavera,
e de não ter de pensar no imediato futuro
que torna o presente um
ponto de passagem apenas
para um outro futuro
e outro e outro, sempre incessantes.
duas velhas de que falarão então ?
Duas velhas, numa noite de primavera,
falam dos filhos que não tiveram,
dos maridos que morreram,
da sua própria morte que ainda falta viver,
e do tempo, que na primavera muda da manhã para a tarde.
Falam dos netos quando os há,
Falam dos vizinhos, sempre os mesmos...
Duas velhas falam de quase tudo,
falam da solidão que as trouxe à janela,
da noite que lhes fez o frio,
e do escuro de estarem sozinhas.
Duas velhas, à janela,
numa noite de primavera,
falam de muita coisa
e até do rapaz que lhes tira uma fotografia.

domingo, 20 de abril de 2008

Mais uma tela...

Acrilico s/ tela
80 x 100 cm



em algum momento a memória não lembrará que estive aqui. apenas uma ínfima distância me separa do sítio do silêncio. tenho os olhos perdidos no regresso e no entanto, o regresso já não me habita, parte. há uma espera que se resume à minha ausência.


também aqui

sábado, 19 de abril de 2008

Monumento ao 25 de Abril ... O

Perante uma obra de arte, cada observador faz dela uma leitura diferente, o que atesta a multiplicidade de sentidos que as obras de arte, geralmente, têm, mas que também reflecte a diversidade de cultura, de aspirações e de concepção do mundo de cada observador.

Perante o monumento de João Cutileiro colocado no alto do Parque Eduardo VII, muita coisa já se disse. Muitas observações esboçam um sorriso condescendente pela marotice que a escultura parece representar, outras mostram revolta pela ordinarice que lá lêem, ou pela boçalização dum acontecimento com a pureza que é atribuída ao 25 de Abril.



O que o artista quis transmitir, não sei. O que eu vejo é uma crítica violenta e desencantada ao processo começado em 25 de Abril.

Todos falam do pénis, do pirilau, do falo. Eu também vejo um membro masculino, mas tão frouxo, tão impotente, tão pequeno, que mais se deve falar em pilinha. Não vejo um erecto e túrgido símbolo masculino pronto a lançar um jorro de sémen fertilizador. Vejo uma erecção diminuta, que mal sai do escroto, sustentada artificialmente por espeques, escorrendo uma aguadilha. Talvez seja xi-xi, o que podia configurar a leitura de que o 25 de Abril não passou de «tesão do mijo».

Em frente está um cravo. Parece um ninho de cegonha, mas é um cravo, sem dúvida: tem um cálice verde e pétalas. Mas são pétalas que foram esmagadas a partir de cima. O cravo foi esmagado. (Regado a xi-xi também não ia longe).

O monumento implantou-se no local onde existia um pequeno pedestal. O pedestal foi semi-desmoronado para ilustrar a velha ordem que o 25 de Abril queria derrubar.
O que o 25 de Abril queria construir está, talvez, ilustrado por duas elegantes e pouco pretensiosas colunas, mas como se vê, foram quebradas durante a construção.

Todo o monumento se lê como: escombros. O 25 de Abril não teve tempo para construir um novo edifício nacional ou quem liderava não teve «tomates», não teve vontade, não teve pujança eréctil para levar a Revolução mais longe. O cravo foi esmagado, as colunas partidas. De antigo, só se derrubou um pequeno pedestal. Sobranceiros, lá se mantêm intactos os majestosos pilares do Estado Novo, poderosos, eternos!

[Publicado no blogue Universos Assimétricos]

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Hajam flores caindo porque a chuva cansa...




Hajam flores para combater a chuva espetando nas gotas pétalas de luz...
Hajam flores para forrar todos os buracos que se abrem nos caminhos quando os cegos dão os seus passos inocentes...
Hajam flores onde a lua se cruza com o sol para celebrar a pureza desse encontro...dispam-se as nuvens das suas vestes cinzentas e pintem-lhes as bochechas de branco...
Hajam flores navegando nos rios sem destino algum...só pelo prazer do aroma da viagem...
Hajam flores apertadas nas mãos dos amantes assistindo envergonhadas às carícias que se amam lá no alto...
Hajam flores trepando o branco das paredes com pés de alecrim e braços curvados com costas nuas...

Hajam flores a morrerem pelos cantos e outras tantas a nascer sozinhas nas curvas...

Hajam sonhos despidos e borboletas sombreadas à procura de jardins encantados...


Daniela Pereira
Direitos Reservados

Foto por Daniela Pereira in Olhares

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Nome de família

Era uma vez um japonês, de gestos tão bruscos como se vê nos filmes, que se chamava Yátá! A sua esposa, não tão dócil como as gueixas dos filmes, chamava-se Komo Yátá !

[Publicado no blogue Universos Assimétricos]

Algumas coisas


FIO ASSIMÉTRICO

Essa coisa pronta
Amedronta
É coisa
De quem não apronta
Afronta
O marasmo
Do círculo
Virtuosamente seguro
Um pulo
Para o suicídio
Dos anseios coloridos
Nossos
Alheios
Os sonhos escondidos
Embutidos
Nada fluídos
Captados
Raptados
No seguro de vida
Da vida
Não vivida
Vegetada
Escolhida
Encolhida
Em nós...


By Casti

terça-feira, 15 de abril de 2008

Ilusão e desilusão

Se te disserem que há um tesouro escondido num país longínquo, e se te dispuseres a perder anos à procura dessa suposta riqueza, não te sentirás triste no momento de assumires a derrota, no momento em que descobrires que não há nada, rigorosamente nada, para além dos teus olhos e de um buraco na terra? Se passares vinte anos com uma só mulher, e vires a descobrir que, apesar de toda a tua dedicação, ela sempre te foi infiel, como reagirás?

«Tapo a cara com as mãos e começo a chorar.»

É importante dizer-se que o choro costuma ser apanágio de quem se sente vencido. Perder as ilusões é uma pessoa – tu, marido traído – olhar para o presente com a certeza de que nada no passado valeu a pena. É não ter esperança nos dias que estão por vir. Repara: vives vinte anos com uma mulher, deixas de existir para ser ela, perdes amigos, conhecidos, família. No final (há sempre um), apanha-la a trair-te. Não poderás deixar de sofrer muito.

«Quero chorar.»

A parte mais idiota da desilusão é a ilusão. É escreveres textos com sentimentos bonitos.

«Olhar para uma mulher e querer que ela me pertença. Querer abraçar uma mulher como se não houvesse outra igual. Olhar para uma mulher com a certeza de que é ela, ELA, a tal. Tentar tratar uma mulher de modo especial.»

Não se pode dizer que um homem não tenha direito a cometer erros, por vezes, erros crassos, mas erros, sempre erros. O homem é feito de erros, de imperfeições. O que não se pode dizer é que a vida tenha sido feita para que pessoa X gaste o seu tempo a perdoar pessoa Y ou vice-versa. Não podes perdoar as traições da mulher que te trai, assim como não te podes perdoar pelo facto de escreveres coisas apaixonadas.

«A paixão é humana.»

E o sexo.

«A única solução para mim é a morte.»

A melhor forma de ultrapassar a ilusão é passar pela desilusão e, mais do que isso, pôr a desilusão no papel, escrever um texto.

«Ódio, raiva, cólera, ver uma mulher e querer chorar, chorar, como se fosse um bebé com dor de dentes, como se fosse uma pequena criança toda borrada, com fezes até às orelhas. Olhar para uma mulher com vontade de apedrejá-la, de matá-la, de lhe estoirar os miolos com os punhos.»

Importante mesmo é saber o seguinte: quanto mais a tentares esquecer, mais presente ela estará.

00:04

Artur era um homem pacato, não fumava, não bebia em excesso, evitava discussões a todo o custo, fazia longas caminhadas para se manter em forma, e a sua companhia era apreciada por ser sempre serena e agradável.
Quando foi preso por manter uma casa de jogo clandestino, onde todos os dados estavam viciados, a vizinhança foi unânime em declarar que se estava mesmo à espera, um homem não podia ser tão virtuoso, tinha de ter algum grande defeito escondido.

(também na minha casa de todo o ano)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O teu nome a velar-me os sonhos


As palavras não ditas, Não gosto do teu sotaque lisboeta, mas amo-te, pesam-me como 100 anos no meu corpo. Não acredito em contos de fadas, mas sei que és uma estrela cadente que caiu na minha varanda numa noite de lua cheia. Mas hoje lá fora está escuro, amor, e a chuva cai sem piedade na janela do quarto. Não sei o que fazes em noites como esta. Sei apenas que foi naquele beijo em frente ao Tejo que fiquei com o teu nome na boca. Voltarei a dizê-lo agora durante o meu sono. Tivesse eu a capacidade de viver a dormir e era lá que te teria.





Nem o tempo vai chegar
P'ra dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma especie de dor
[Rodrigo Leão]


Foto: Graça Loureiro
Também aqui

sábado, 12 de abril de 2008

fear must be taken as it comes



virá o momento em que tudo esquecerás, desatado no peito o insondável mistério do teu corpo. ou, quem sabe, nem sequer o coração desaprenda essa solidão enraízada na vida.



também aqui
fotografia de cavalleron

Cérebro versus realidade

O cérebro: quero ir ter contigo, dizer-te qualquer coisa, mesmo que não faça sentido, ou que a minha cara se torne mais idiota do que habitualmente. Quero tocar no teu braço despido com as minhas mãos suadas, quero encostar-me, esfregar-me a ti e beijar-te o pescoço, o queixo, os lábios. Quero morder-te as orelhas. Quero ouvir-te gemer. Sei que não me vês, que não me ouves, que não sentes a minha presença a teu lado. Não sou estúpido, não, isso é que não. Estou a um metro de ti. Se te atraísse, os teus olhos já teriam encontrado os meus, já terias sorrido. Mas sou persistente, muito persistente. Os meus olhos pregar-se-ão à tua cara até que os teus olhos queiram ver os meus, e talvez aí possamos encontrar algum tipo de harmonia (se é que a palavra existe). Nunca se poderá encontrar harmonia em duas pessoas quando só uma delas se está a concentrar na outra. Não se fale em harmonia. Sexo. Sim. Quero levar-te para a cama, ver o teu sangue no meu pénis, ver a dor na tua cara e sentir que mais ninguém te possui da mesma maneira que eu. Não. Não te quero levar para a cama. Quero-te agora. Se fosse um homem a sério, chegar-me-ia a ti e, cuspindo para o chão, levantar-te-ia a saia, derrubar-te-ia e possuir-te-ia mesmo aqui, neste pequeno compartimento de comboio. Tens aliança no dedo, melhor. Gosto de mulheres casadas. Se te pudesse penetrar, mulher casada. Se te pudesse fazer sentir a mulher mais realizada do mundo, mulher casada.

A realidade: Eva, vinte e sete anos, casada. Estava dentro de um comboio mas poderia não se encontrar em lado algum. Chateara-se com o marido. Queria encontrar algo que a fizesse pensar que nem tudo no mundo era tão mau como parecia. Quando reparou que um homem feio, com cara de tarado, olhava para ela como se nunca tivesse visto outra mulher na vida, perdeu a esperança no futuro e chegou à conclusão de que o marido era o menor dos seus males.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Salvador Dali - 100 gravuras da Divina Comédia de Dante

Uma exposição (em 3 locais distintos) a não perder.
Mais informações aqui.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Normal

O normal é as pessoas irem mudando ao longo do tempo. Só o tempo é capaz de trazer sabedoria à carne. Só o cansaço consegue fazer adormecer a ignorância. O normal é as pessoas olharem para o passado com a sensação de que o presente é algo diferente, de que o amanhã é o contrário do ontem. Acontece que nem toda a gente pertence a este vastíssimo reino da normalidade.

Um homem, Adam, tinha uma vida exterior igual a tantas outras: era casado com uma mulher que o realizava em quase todos os domínios à excepção do sexual, tinha dois filhos, recebia um bom ordenado no emprego (era advogado). A vida interior de Adam também não diferia muito da de muitos milhares de milhões de vidas: recheava-se de conflitos, de angústias, de sofrimentos, de temores, de perversidades. Havia, no entanto, algo que o tornava diferente: Adam acreditava piamente que era o filho de Deus. Jesus, esse mesmo. Embora nunca tivesse confessado a ninguém a sua «verdadeira» identidade, Adam não se esquecia nunca do seu verdadeiro nome: Jesus.

Este homem não era dotado de um verdadeiro sentido de mudança, uma vez que não poderia ser transformado através de palavras ou de acções de outros homens. Nada do que lhe dissessem o poderia fazer deixar de acreditar na sua identidade escondida. Logo, Adam, ou Jesus, foi sempre imune a alterações. O tempo foi-o habituando a permanecer imutável. Só o corpo exterior foi mudando, envelhecendo, apodrecendo, morrendo.

«Por que és tão prepotente, caríssimo rapaz?»

«Sou o legítimo herdeiro dos Céus.»

A mudança, aquela que não tem que ver com ciência mas com valores, palavras, ideias, costumes, só pode entrar na mente de quem dialoga, de quem ouve. Quem não escuta, quem não aprende, não muda e, por conseguinte, não avança.

«Deus dá e tira tudo.»

«Inclusive a lucidez.»

00:04

Voando sobre os beijos

Já se torna complicado dissertar acerca da vida real, quando sem sequer se avistar o objecto desejado se congeminam infâmes projectos de vida a dois, como se o que os nossos pais nos ensinaram já não valesse de nada.

Mas é verdade, o chamado amor platónico ganhou uma nova dimensão nestes tempos de relações baseadas na tecnologia. Junte-se o Bill Gates, o Steve Jobs (apelido engraçado este) e outros gurus do mundo dos computadores, veja-se a forma distorcida com que o banal cidadão vê as coisas e aí estão os cupidos das novas gerações. Aí estão os culpados da quebra do amor entre os supostamente mais desenvolvidos intelectualmente. Que os outros amam sem tecnologia e talvez vivam mais felizes.

Vivemos épocas complicadas, de pura solidão, em que pessoas capazes, com tudo para serem felizes, se afundam no mais completo desespero. E eu até poderia afundar-me mas e depois como contactar com os amigos de todo o lado, vivendo noutra dimensão? Quero aproveitar este pequeno intervalo entre cada encarnação, cada vez mais, nem que para isso só viva mais cinco minutos, que sejam intensos!

É justo que se tente. Pelo menos tentar arranjar soluções práticas que afastem o desespero, um pouco de luta é claro, muita garra e determinação, para que os sorrisos saiam naturalmente.

Baseado nessa premissa sabe-me sempre bem viajar pelos pedaços de luz que de vez em quando aterram neste poço sem qualquer tipo de luz onde me escondo das lutas fraticidas que me rodeiam e das quais não quero, na maior parte das vezes, saber. Será que as pessoas só vivem bem se entenderem que a vida dos outros tem que ser um castigo permanente e que tentar ser feliz é um crime?

São esses beijos, esses abraços com que rematamos cada mensagem que, pelo menos, nos fazem lembrar que o corpo que acompanha a alma tem a possibilidade de se manifestar, glorificar de alguma forma a sua passagem pelo Planeta Terra.

Mas, para aqueles que já nasceram iluminados, permitam que vos relembre que o vazio que se instalar em vós quando um dia chegarem a casa, é um prenúncio de morte e sendo a morte a mais certa de todas as coisas, devem, desde logo, começar a lutar pela VIDA!

É certo que a quem nunca sobreveio a escuridão, ela pareça algo estranha e até seduza inicialmente, mas depois é sempre a descer até às profundezas do Inferno. E o que se pretende é um pouco do Éden perdido, nada mais!





Acompanhante musical em dose dupla:

charlie parker - sessions I

charlie parker - sessions II

Amantes de outonos ou dos pedidos ao tempo


É de outonos que me disfarço,
vento na manhã,
o tempo violando cortinas,
passos tangidos na premência de ser já primavera
colorindo estes muros mortos de sono.

Nas calçadas inelutáveis dos dias,
ao som dos saltos e do gemido das folhas,
o vento se despedindo do que fora árvore
sonho o destino dos pássaros, alto,
de caminhar entre o vento.
(e chegar, enfim, aos teus braços).

Nos outonos de que me visto,
nunca te esqueço e, como pedes,
peço ao tempo as horas maiores
de voltear em teus braços
frágil fêmea em flerte,
nas mais tontas danças,
o vento voluteando-nos.

Eu peço ao tempo, o maior do dia
a hora mansa e quente
os chãos de amar
em cores de amantes,
semelhantes, todos semelhantes
no querer.
peço ao tempo, o tempo de te encontrar.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

"Tornado"

Técnica: óleo s/ tela
Medidas: 100 x 80

"Chocolate"


Técnica: Acrilico s/ Tela
Medidas: 50 x 100

Uma página da Vida

Uma página da Vida

acrílico sobre tela

100x100x4 cm

2008

terça-feira, 8 de abril de 2008

Era uma escritora norueguesa muito conhecida pelos seus romances cor-de-rosa passados em ilhas tropicais.
A sua inspiração acabou no dia em que saíu da Noruega pela primeira vez para fazer um cruzeiro nas Caraíbas. Apanhou o primeiro escaldão da sua vida e resolveu tornar-se contabilista.

Fragmentos de Poesia II

Fragmentos I em:
.
(...)
.
Lágrimas de chuva
em pingos de nostalgia
escorridos de rostos empalecidos
que nos céus desvanecidos
entristecem o dia
em tempestade fogosa
.
(...)
.
numa brisa enternecedora
de beijos de jasmim e eucalipto
chega invadindo os meus sentidos
num refrescante e imponente rubor
fazendo-me caír nos braços da pedreira
onde me diluo que nem aguarela
nessa mescla de ervas limão-cidreira
.
(...)
.
onde se arrastam ciclones de ventos
que levando os miasmas dos tempos
clamam por gritos de paciência e calma
.
(...)
.
Era para nós uma estreia
Essa tela,
Uma pintura de verde
Mesclada de branco...
Uma obra do vento
Embalada no tempo...

.
(...)
.
no esplendor de um luar riscado
ecoam iluminando o espírito despedaçado
fazendo caír as estrelas na bruma
lacrimejando-a de luz e encantamento
.
(...)
.
Escalo a montanha escorregadia
Lançando gritos de poesia no horizonte
Na esperança de que alguém os agarre...
Bebendo do poema que então me espreita
Alcanço as estrelas lá no alto dos céus
Guardando em mim o crepúsculo da noite...
Há uma madrugada ainda por vir
E mais vos digo clamando alto,
Haverá também mais noites como esta
E aqui estarei
Mais uma vez
Para me deixar ir...
.
(...)
.
.
In Nas asas do amor - Diário de Reflexão e Poesia
http://nasasasdoamor.blogspot.com

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Do morrer

1. Se o que tens é desespero, não faças nada, não te mexas. Deita-te em cima de uma cama e cola as mãos em cima do peito, como se estivesses morto. Morto...Acordar todos os dias deve ser muito, mas mesmo muito, pior do que estar morto, do que ser comido por larvas.

2. Haverá alguma coisa pior do que abrir os olhos após oito horas de sono?Sim. Bater com o crânio numa parede, partir um membro, estar doente. Sim. Mas não serão todos estes problemas uma consequência do acto de acordar? Pergunte-se novamente: haverá algo pior do que abrir os olhos pela manhã? Sim. Abrir os olhos e não ver nada, estar cego, completamente rodeado de escuridão. Ser cego e, ao mesmo tempo, humano. Isso é pior do que tudo. De qualquer forma, abrir os olhos e dar de caras com um tecto branco ou com os números de um despertador não é bom. Desagradável. Terrível. Funesto.

3. Ser cego é uma tragédia. Claro. Pior do que acordar a ver, claro. Mas há algo que ainda é pior do que ser cego: acordar cego todos os dias com a sensação de que não há um fim, de que a história se prolongará pela eternidade fora, é ter uma cassete de vídeo dotada de uma fita infinita. A eternidade é o pior dos males. Querer morrer e saber que o fim não virá. Viver coberto de dores físicas e não poder afogá-las no mar manso. Querer apagar o sol com um balde de água. Isto é eternidade. Apagar o sol com um balde de água. Querer morrer é tramado, pois sim. Mas querer morrer e não poder deve ser pior. Tomar um, dois, três, quatro comprimidos. Tomar vinte comprimidos. Não morrer. Tomar uma caixa de comprimidos para morrer e acordar vivo, apenas com uma ligeira indisposição. Querer estar morto numa terra que dá salvas de palmas à vida é igual a consumir valeriana. É tomar um placebo. Pior: é ser enterrado vivo sem nunca deixar de respirar.

Pintura Mística, Surrealista e Naíf

Olá a Todos,

para quem não tem a possibilidade de passar no Majestic até dia 19 de Abril,

deixo-vos aqui o meu álbum on-line de pinturas e convido-vos a deixarem os V/s comentários!

Abraço,

Yasmin

http://palavrasdecondao.forum-livre.com/gallery/Galeria-da-Yasmin/Galeria-da-Yasmin/Galeria-da-Yasmin-cat_c2.htm

Se o amor cegar...deixa-o por aí a andar à toa





Se um dia aprenderes a amar-me
até à raiz mais profunda
que albergo no fundo do peito
talvez encontres uma árvore florida
plantada na areia seca
que tanto sopras nos teus passos...

Deixa-me rodopiar um bocado
nas pontas dos dedos...
ser bailarina tonta
em cima da varanda
a um palmo de mão
prestes a cair...
Vou desenhar nas paredes
o sol dos meus verões
para esta chuva maldita secar ...

Se um dia desaprender a falar
e a minha boca
para ti se calar...
ouve-me nos gestos...
porque os gritos
levo-os sempre maquilhados no rosto...

Deixa-me brincar ás escondidas
com os sentimentos que abandonei por cobardia
atrás das cadeiras da sala...
enrolar as batidas do coração
nas dobras dos tapetes...
partir essas tuas dúvidas
com toda a força no meu chão.

Se um dia descobrires este amor palpitante
que trago estampado nos seios
que apertas de olhos fechados...

Se um dia adivinhares as cores
com que a minha língua
te pincela a pele
para pintar o teu corpo
com arco-íris endiabrados...

Se um dia esqueceres as tuas ânsias
e encontrares os teus desejos
nas primeiras páginas
do livro que já lês
à tanto tempo...



Talvez saibas inventar
outras histórias
onde as lágrimas estejam
para sempre perdidas...
estou tão cansada
de ver sempre morrer as esperanças
a duas páginas do fim.

Ai se estes sorrisos
que vês a decorar as folhas
soubessem ser uma razão
para não pensares ainda
como seria escrever um final feliz...



Mas deixa-me rodopiar mais um pouco
no escuro dos teus dias...
ser bailarina tonta
e dançar na tua boca
até o teu amor chegar...
Depois pegas na caneta...


Daniela Pereira
Direitos Reservados

Imagem por DeviantArt
Coffee for Mister Klimt by *Floriandra

domingo, 6 de abril de 2008

Renascer


Triptico técnica mista
acrílico S/tela
2007
100x100cm
Presente na exposição de pintura
Presense of Mindy by L´agenzia di arte
Lugar do Vinho Gallery - Porto
05-abril a 09 Maio 2008

Marias e poetas incompletos

Maria de seu nome poema Maria Rita Portugal Apelido meu e nosso Maria Rita Ideal Maria seu nome poema Maria Rita Portugal Casinhas de palha enfeitada Prateleiras de metal Maria nome poema Maria lágrima e sal Nas tuas mãos tens a vida Aos teus pés Portugal. Maria solamente poema Maria Rita Portugal Trazes contigo pureza És país social Maria vê-se num espelho Maria é fonte no mar Gota de água no oceano E no teu rosto brilhar Maria Fonte lavadeira Água doce amargada Olhas-te por cima inteira No mar vês-te espelhada Maria querida Ingratia Para ti tudo é igual Uma receita na farmácia Um papel de Hospital Maria só mais um problema Só a ti te vai doer Vês o teu filho deitado Não sabes o que fazer Maria Rita Portugal De Alma e coração Trazes contigo os pregos Fechas tu o caixão Maria dona do querido É mulher de ninguém Lava a roupa do marido Lavas cuecas também Queres Maria um poema? Maria não é drama O teu homem faz a noite Com uma puta na cama Maria dedica este poema À Mãe que descasca o milho E espera em vão nas searas O regresso do seu filho Xaile negro até aos pés Maria mulher do campo Não que sejas que o és A tua vida por quanto? Maria de seu nome poema Maria manhã soalheira Nos teus olhos a esperança O sol pela peneira Maria nome mulher É certo o poema Maria retrato e paisagem Ovo de pita sem gema Maria um nome no mundo Maria santa parteira Vês-me em ti poesia Ou filho ou ideia Maria dos cabelos de prata Maria velho poema Mãe avó irmã e tia Sogra nora um problema És nome Nacional Maria nossa aqui nascida Maria pessoa real Maria esperança de vida Maria Abril emancipada Maria mulher de raiz Tantas vezes odiada Não sou eu quem o diz És nome Portugal Maria mea culpa De andar sempre à espera Da santa velha desculpa Maria dá nome ao poema Maria que aprendeste a falar É o país que te assina Onde? Não sabe assinar Maria escrita em concreto Filha de um pai já velho Tinge o dedo de preto Carimba-se a vermelho Maria de seu nome poema Por palavras te descrevo És imagem de saudade És o fado és trevo Maria e Fátima aparição Ambas querem que anoiteça Que a dúvida tape a razão E o milagre que aconteça Maria não é uma Maria já se vê Maria lista de espera Maria de A a Z
Vergílio Torres in www.banhosdecinza.blogpsot.com

desincessante

Pergunta o mundo ao pintor... Acabas tu a pintura? A tela é muito fina. Não se deixa agarrar p'la tinta... Cobreo olhar, azul desmesurado ou brilho e encanto. Certo sem norte. Só vento pintar.

Miguel Canto in www.banhosdecinza.blogspot.com

sábado, 5 de abril de 2008

Ahriman

Artur Amieiro, Ahriman, óleo sobre tela, 73x60 cm., 2005.

Esta pintura resultou duma interpretação colorista sobre um desenho a preto e branco elaborado por um computador Spectrum, programado para gerar formas «aleatórias» globalmente simétricas de eixo vertical.

[A publicar no blogue Universos Assimétricos]

sexta-feira, 4 de abril de 2008

por...menor



3 coisas que o sábio deve evitar:




Esperar o impossível.
Chorar pelo irrecuperável.
Temer o inevitável.



"De que nos serve o corpo...se não temos a alma?"
foto
daqui

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Morada de silêncio


as certezas trazem-me pendurada no fio das realidades quotidianas. caminho pelos dias como quem nada espera. sentada nesta mesa pintei um mundo que fica para lá do horizonte. mas a noite devolve-me a monotonia, os medos e uma casa que guarda demasiados rancores. fujo. conheço as palavras que fazem uma existência feliz. escrevo-as. penso como gostaria de dizê-las. mas é no silêncio que moro. é para lá que volto sempre.
[Foto: Robert Gojevic]
Também aqui

Minguante

A revista Minguante tem mais novidades. Em primeiro lugar, um e-book de Carlos Seabra intitulado e-pifanias. Esse pequeno trabalho tem ainda duas pequenas apresentações, uma minha, outra do Luís Ene. No que diz respeito ao meu e-book, O Executivo, também há novidades: o caríssimo amigo Bruno Alves escreve sobre mim.

Museu da Pedra em Cantanhede


Poema da pedra lioz

Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na brutidão dos calcários.

Ali, no esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca… truca…
Lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada românica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.

Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca, truca, truca, truca,
vestidos de surrobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.

No friso largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um Cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.

Homens de vária feição,
barrigudos e contentes,
mostram, no riso dos dentes
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaros celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgazeados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam-se a Satanás.

Fixando a pedra, mirando-a,
quanto mais o olhar se educa,
mais se estende o truca… truca…
que enche a nave, transbordando-a,
truca, truca, truca, truca
truca, truca, truca, truca.

No desmedido caixão,
grande senhor ali jaz.
Pupilo de Satanás?
Alma pura de eleição?
Dom Afonso ou Dom João?
Para o caso tanto faz.

António Gedeão


Este poema está exposto, com destaque, no Museu da Pedra em Cantanhede, um museu muito pedagógico sobre a pedra, desde as formações geológicas da região até aos produtos finais, com realce para os escultóricos, passando pelas patologias da pedra e pelas ferramentas do trabalho, tantas vezes anónimo, da transformação do informe oculto em delicada forma revelada.



Lioz é o calcário brando da zona de Lisboa com o qual foram construídos quase todos os seus monumentos, desde a Torre de Belém à Sede da Caixa Geral de Depósitos. O calcário da zona de Cantanhede é a chamada Pedra de Ançã extraída nas pedreiras de Ançã, Portunhos e Outil e que moldou a face arquitectónica e escultórica de Coimbra no século XVI.

[publicado no blogue Universos Assimétricos]

quarta-feira, 2 de abril de 2008

EFLÚVIO DE UM NADA MAIOR

Uma dança de cores
Nos segredos do intemporal,
Na conduta de todos os vazios
Por hipóteses…
As descobertas que se encobrem…
Naquele amor vazio,
Impossível, quase irreal
Descrente, imortal!
Como tudo o que não é.

O porto da graça ficou sem aves!
As nuvens rasgaram o meu caderno
As fronteiras renovaram a floração…
Mil cubos de estados de alma
Tomaram o afago da criação morta.

Frutos secos na eterna embriaguez
No consolo de todos os salmos…
Nas metáforas do eterno,
Com o reboque do beijo vazio…
Aqui, depois ali e no esquecimento.

Retórica apenas… nada mais!
Mentes deformadas como aquela,
Como tudo o que continua a ser
Esta essência maligna…
No reino dos encarcerados.

Nos limiares da morte petrifico-me!
Sou hipérbole do Universo…
Recta das revoluções do beijo,
Nas dúvidas metálicas do intenso
Este eflúvio de um nada maior…
Pelas águas da saudade morta,
Tudo o que quero que já não desejo.

Aveiro, 02 de Abril de 2008 – 23:07h
Jorge Ferro Rosa, in Fronteiras

Brincadeira para uns

Manel perguntou a Maria se ela queria casar com ele. Ela riu, lembrou-se que era 1º de Abril, aceitou e não deu importância à brincadeira. Aliás, só voltou a lembrar-se do assunto uns dias depois, quando Manel a levou até à igreja paroquial para marcar a data do casamento.
Manel, que nunca sabia em que dia ia, nem tinha por hábito mentir, acabou por casar com a sobrinha do padre, rapariga simpática e divertida - e com outros atributos que só a Manel interessam -, que o acompanhou com muita paciência depois de Maria ter explicado atabalhoadamente que era testemunha de Jeová, que nunca poderia casar com um católico, e ter desatado a correr em direcção à porta, dizendo que estava atrasada para uma marcação no gabinete de estética.

(também na minha morada de todo o ano)

Fragmentos de Poesia



(...)


Sou Fénix que voa
Cantando um poema ao vento...
Levo esperança entre as asas,
Uma mensagem riscada no tempo...


(...)


Um tempo que não é tempo,
um tempo onde não há lugar a calendários
nem relógios,
um tempo onde o momento
não tem fim!


(...)


Atravesso horizontes inalcançáveis
Rumo à génese dos mundos,
Ao embrião do universo,
Ao começo de tudo...


Trespasso a vestimenta dura
Da carcaça frágil que me envolve...
Busco uma tal resplandecência
Que parece envolver todos os seres...

(...)


Espreito na Janela do meu olhar,
Debruçada em meus pensamentos...
Mergulho na lembrança, no sonho perdido,
Desperto a esperança, preencho um vazio...


(...)


Atravesso os Sete Caminhos,
Os Sete planos do Arco-Íris,
Em busca de um Universo Encantado,
Terra de Sonho, Mar de Utopia...


(...)


sonhos ansiados
pendurados na lua errante
de noite adormecidos
como segredos escondidos
na púrpura do tempo
que abraçando o supremo vigor
de uma bela noite de luar
sopram a estrela cadente
trespassando um coração ardente
e o dia acorda
desperto pelo sonho


(...)


Raiava a melodia Tu e Eu
No alto daquele monte,
Lugar encantado
Onde o mar é horizonte,
Templo do mundo
Onde as árvores falam...


(...)



In Nas asas do amor - Diário de Reflexão e Poesia


Exposição e Venda de Pintura Mística 9-15 Abril


Arte Mística: * Espelhos da Alma *

por Yasmin dos Anjos
Poetisa, Escritora e Artista Plástica

PRETEXTO DE CIRCUNSTÂNCIA

O tempo mata! O tempo é o maior inimigo e o maior conselheiro, o tempo traduz a possibilidade daquilo que é… é neste fluxo que este escrito ganha corpo enquanto o sorriso acende e apaga. No tempo a grande verdade silencia e adormece e o seu rasgo é a ausência de respiração.
Interrogo-me, estou condenado, não tenho hipótese, ainda que neste momento esteja em vida, tal como aquele que lê, eu neste momento enquanto escrevo estes caracteres; o resto não serve para nada, nem nada posso esperar do quer que seja. Sou na derradeira existência absurda onde todos os nomes são balas de distanciamento!
Dogmas e posturas caricatas encurtam o fôlego da liberdade, amachucam os filamentos da existência do sujeito, conduzindo-o para as portas do degredo. A existência converte-se em abismo, cuja derrapagem desemboca no precipício do silêncio intemporal. Todos os dias a surpresa estende o seu manto na actividade da decadência. Os fôlegos do sabor existencial são assassínios, deixando tudo em colisão até à pura extinção cuja desfragmentação envolve um processo do qual a consciência não é atrevida. Situações temporárias de remedeio é o que resta, o resto são possíveis suposições para apaziguar o envolvimento do nada e tão subtilmente a ausência de fôlego acontece ainda que as crenças religiosas um dia se tenham implementado como salvação… a salvação é a não salvação, diga-se ou acredite-se no quer que seja, não existe modo de dar volta à situação. O início ergue-se na tensão do fim, esse “isso” tende ao lugar do antes de ser “isso”, sem consciência, o irremediável da situação construída. Resignação absoluta dadas as circunstâncias… vergo-me, a frustração é a impotência onde tudo o que existe não tem sentido algum! A hora derradeira é absoluta… confesso-te que o desprendimento das coisas e dos outros é a verdadeira paz, isso que absorve para o nada eterno. Todas as filosofias tentam fazer brilhar o lugar escuro da eternidade, posturas de esperança gritam e tudo não serve absolutamente para nada! Lembras daquela conversa quem um dia tivemos? Ainda consegues? Que tal está o corpo? Alguma preocupação? Ligação mente corpo como vai? Não digas… o tempo é a própria resposta à situação! As situações criam-se por si e os pretextos tendem a manipular os mais fracos. Entendo a tua postura… todo o significado que um dia tiveste, o próprio tempo o roubou, desliguei-me e deste modo lancei-me na ausência. Todas as palavras que te possa dirigir não servem para nada uma vez que a credibilidade passou à história.
Sabias que a esperança mata e o tempo é muito curto? Tudo o que te digo passa ao lado… confesso que não estou preocupado uma vez que me cansei das tretas e banalidades, desses pretextos de circunstância. Detesto esperar dos outros o quer que seja, tal postura é condição de inquietação, tal como a promessa de um café que nunca acontece.

Aveiro, 01 de Abril de 2008 – 22:16h
Jorge Ferro Rosa, in Fronteiras

terça-feira, 1 de abril de 2008

ausência


pedes-me outra palavra.
ausência: olhar de hoje debruçado no passado. percorrer os mesmos caminhos e não os reconhecer. esquecimento do que te nomeia. sufocar os lábios nas palavras. suspensão do gesto abraçando o silêncio do teu corpo.
ausência é amar-te meu amor.


também aqui

fotografia de Vassy Popova