terça-feira, 29 de abril de 2008

Uma página solta no vazio de um diário sem cor...

O silêncio. Dor. Palavras rasgadas. Vulnerabilidade.Profunda revolta interior...

Amanhece.
Anoitece.
Os dias passam e eu estou cega.
Lá fora os corvos inquisidores espreitam pela janela.
A minha alma é um dilúvio de angústia.

São largos os dias, as horas arrastam-se e o meu pensamento perde-se em imagens em replay. Quase não tenho mais forças para chorar...E as palvras que outrora fluiam com harmonia e sede por se revelaram, ficam agora paradas, perdidas na rua, no caos, na miragem dos dias baços. Pegar numa folha em branco e neste lápis para escrever, quase que dói. São para ti estas palavras. Nasceram de um sentimento de culpa. Não pude verbalizá-las, dar-lhes sonoridade ou porventura dar-lhes forma. Disseco agora essa dor que me consome e me corrói nas nervuras de uma folha sem raízes. Quebra-se a luz de uma vida alterada. A vida é tão breve...Mas eu sempre o soube. Desde tenra idade que percebi a luz dos seres nesse estado etéreo antes da derradeira partida para o arco-íris do desconhecido. Um doente em fase terminal sempre foi algo tão diferente para mim. Conheci a Paula, que aos sete anos e ensinou a ver a luz...Mais tarde quando morreu para mim foi a ausência da luz que mais me marcou. Reencontro estranhamente de novo essa luz nos teus olhos...e a angústia do seu significado deixa-me temer. Algures partilho a tristeza de um lápis sem grafite. Coloco o teu sorriso debaixo da minha almofada. Deixo que as lágrimas resvalem sem sentido pelo rosto. Quero espancar o destino. Quero morrer também. O tempo é cruel. Silencio o meu pranto baixinho. A folha de papel branco fica borratada pela tinta negra que inunda os sulcos granulados das palavras escritas em revolta. A velha retórica: Porquê? Algures os meus olhos que ardem, procuram respostas no vazio. Não nos resta muito tempo. Não nos restam muitos olhares para trocar. Não nos restam muitos gestos para dizer o que nãoo pode ser dito pelas palavras. É neste teatro de emoções onde me afundo, como se nas profundezas do oceano pudesse reencontrar o sentido. Estranhamente tão perto e tão afastados pela linha incompreensível de labirintos intermináveis. Antes de morreres, quero conhecer-te. Quero mostrar-te as formas geométricas que ainda não conheceste com a tua máquina fotográfica; escrever-te aqueles versos que saiem da alma com loucura; mostrar-te os gestos não verbais dos diálogos verbais; incentivar-te que descubras as crianças e os seus segredos insondáveis que podem revelar-nos no jogo simbólico; que dançar sem movimentos pré definidos é tão saboroso; o prazer de saborear a textura dos gomos de uma laranja de olhos fechados; como é sentir o pulsar do nosso coração dentro de um búzio; como fica a minha expressão quando tocada pela doce textura de um olhar que irradia compreensão; os segredos compartilhados à beira mar que retiram camadas de pó centenário...
O prazer de um encontro antes da derradeira partida.
Não partas sem tirares comigo um bilhete para irmos flutuar para o mar!
Antes da revolta se instalar ensina-me a ver a luz.

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