terça-feira, 8 de julho de 2008

micro-ensaio sobre a amizade









Na biblioteca um livro assinado e dedicado, com a sua amizade, a alguém pelo seu autor. Que terá acontecido ao dono do livro para este ter ido parar à biblioteca? Terá morrido? Terá o Estado penhorado o livro entre um montão de coisas da sua bela moradia e depois doado à biblioteca? Se o Estado penhorou o livro, e sublinho o que já disse – um livro assinado e dedicado a alguém – então o Estado já penhora sentimentos e já se imiscui na Poesia enquanto algo mais do que o mero livro penhorável entre uma série de objectos pessoais.

O autor chama-se Abelardo Rodríguez. Resolvo não procurar informação acerca da sua pessoa, não sabendo questões básicas como, por exemplo, se vive, morre ou está morto. Olho para ele através da foto que consta de uma das páginas iniciais, com uma barba escura e séria. “Abelardo Rodríguez”, repito a mim mesmo. Enquanto escrevo isto resulta que se me afigura possível que o Abelardo (ou os seus filhos ou netos, legítimos ou bastardos) , procure no google pelo seu próprio nome e encontre estas considerações de alguém que não conhece, seu equidistante a muita ou pouca distância.


O Abelardo ficará triste. A biblioteca é detentora de parte da sua amizade. E hoje apeteceu-me requisitá-la.



Texto de Tiago Nené
foto de manuel a. domingos

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