terça-feira, 30 de setembro de 2008

Abertamente

Pergunto-me, e este é o meu descanso.
Relativa esta acalmia... há dias no meu ser.
E pensar, ou ler...
Este estar, este ver...
Sentir? Porque não?
Serena... mais leve...tenho uma pena em mão.
Ao escrever, acorda-me o vento do agora...
de nunca querer acreditar.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A Lenda do Lobo e da Raposa

 Era uma vez, a muitos muitos anos, quando ainda o mundo dormia sobe a luz das velas e as florestas ainda falavam as palavras antigas com que o mundo havia sido criado.

 Existia uma pequena raposa que havia ficado sozinha no mundo, no seu passado recente um grupo de caçadores tinha seguido a sua familia ate a sua toca e haviam chacinado todos os seus pares... ela sobreviveu graças a um lobo solitario que por ali passara e afugentara os caçadores.

 O lobo acolhera-a na sua toca e tratara-a como sua irmã mais nova, mas com o passar das luas e das epocas, o amor que tinha começado como uma familia adoptiva passou para um amor cada vez mais tenro de dois amantes.

 Foi pouco tempo ate que ambos olhavam com os seus olhos castanhos um para o outro no luar e mostravam as suas faces como dois verdadeiros amantes.

 A floresta tinha culminado num amor idilico e impossivel e embora o seu amor não podesse ser de alguma forma possivel, os dois continuavam a alimentar a chama que havia lhes sido imposta.

 De manhã o lobo caçava para a sua amante, de tarde ambos brincavam junto a um pequeno lago em semi-lua que por lá existia e de noite juntos a olhar para as estrelas aninhavam-se ate adormecer.

 O lobo era filho da floresta, havia sido expulso do seu bando por nunca ter tentado roubar galinhas aos humanos, pensava ele que alimento facil não era merecido, muito menos quando o alimento não pertencia a floresta, esses seus votos faziam dele um não desejado, pois se os homens começavam a corromper-se, os proprios bixos da floresta começavam tambem a cair nas "aguas" da desonestidade e da preguiça.

 A raposa, embora nunca se tivesse esquecido da sua familia, havia sido ensinada pelo Lobo que o resentimento não se devia guardar.

 Ambos viveram muito felizes, muito puros na sua inocencia...

 Certo dia o Lobo ouviu tiros... Saiu da sua toca e a sua volta chegaram-lhe os sons da floresta... os ramos e as folhas das arvores gritavam para que os dois fugissem, ambos corriam perigo, os humanos estavam fartos do roubo de galinhas e estavam ali para matar todos os lobos e raposas que por lá estivessem.

 O Lobo acordou a Raposa e ambos correram ate ao lago onde costumavam passar as serenas tardes... mas era tarde demais... os homens haviam encontrado o seu rasto e com um só tiro puseram fim a vida da pequena amante... o Lobo não se conteve de raiva e atacou o ser humano, mas como estava em minoria depressa foi apanhado e a sua vida foi terminada com o som de uma faca a rasgar um coração já partido...

 A floresta recentiu... a inocencia havia terminado... agora, só se ouve as lagrimas de um amor impossivel destroçado.

 

A muito tempo que não postava nada por aqui, a faculdade e a vida privada tem me feito "fugir daqui" x) por isso deixo um conto para os mais atentos e curiosos. Espero que gostem

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Diz-se que o homem morreu

A morte, não a pequena mas a grande. A Morte. Desaparecer. Os dias parecem lentos, cada vez mais lentos, até se tornarem mais rápidos do que a velocidade da luz. A vida demora sempre muito tempo a ir embora. A vida está sempre a ir embora. Os dias são velozes. As expectativas desaparecem mais depressa do que aquilo que já aconteceu. O futuro tem sempre uma grande dose de passado. Pensa-se no amanhã quando o ontem está mesmo a dar à costa. Com catorze anos, dizes que queres morrer aos vinte e sete, imitando a vedeta rock. Ficas espantado quando descobres que treze anos passam com a rapidez de um trovão. O tempo passa muito depressa. Um ano passa mais depressa do que o teu sonho de ser feliz. Às vezes, um homem nasce e morre sem nunca ter conhecido a felicidade. Depois diz-se que o homem morreu sem um sorriso na boca. E culpam-se aqueles que ficaram no mundo dos vivos por nunca terem feito feliz aquele que perdeu o ar. Mas a verdade é outra: podes morrer sem nunca ter tido tempo para aquilo que realmente importa. Os homens falam mais do que agem e depois não mordem. Morrem, isso, morrem sempre um bocadinho mais a cada momento que passa. Parece trágico. Talvez. Também dá para morrer sem nunca ter sido infeliz. Como é que se morre sem infelicidade? Não conhecendo ninguém. Ser sozinho sem nunca ter conhecido pessoas. Sem nunca ter conhecido. Esta é uma parte muito importante. Sem nunca ter conhecido. Se te isolares após teres conhecido, por exemplo, o cheiro de uma linda mulher, não poderás fugir à dor. O ideal é um homem estar dentro da caverna escura, não querendo sequer olhar para as sombras. Quando se liga a televisão, dá-se a mostrar o físico da sereia. Na rua, mesmo fixando os olhos nas pedras da calçada, não se pode fugir ao encanto de certos corpos que dançam como serpentes. Não podes fugir à dor se conheceres pessoas. És livre de fingir deficiência, cegueira, surdez, mudez, retardamento cognitivo, tudo. Podes atirar o monóculo para o lixo, partir os óculos com graduação de sete para ver ao longe. Se já viste, de nada vale fingires que não podes ver. O presente é sempre ultrapassado pelo passado. Estás aqui agora, neste preciso momento, e sabes que não podes fugir ao processo natural de envelhecimento. A tua vida é o passado: a tua felicidade, melhor, todas as tuas causas de infelicidade residem no passado. O beijo perfeito foi dado no passado. O amor da tua vida apareceu há ano e meio. O teu casamento foi há vinte anos. Agora, estás em queda livre para a infelicidade. A pele envelhece, o cérebro apaga-se. Como as velas que não têm cera nem pavio suficiente para arder eternamente. Foste feliz, dizes. Concordo. Palmas. Mas queres saber o seguinte: a tua infelicidade é consequência directa da tua felicidade. Quanto mais alegre fores, mais triste serás. Conheceste a perfeição há três dias? Nunca mais a verás. Foi-se, acabou, é passado. Solução: atrasa o relógio duas horas, três, se o teu calendário disser Setembro, atrasa-o para Janeiro e imagina que estás a começar o ano que começou há nove meses. Se estiveres no século XXI, finge-te do século XX e pensa nos cheiros, nas roupas, nas pessoas. Lembra-te da forma que as mulheres tinham de beijar no século passado.

Tio Rias

Um dia, uma tarde ou uma noite (só ele sabe), numa Terra Sonâmbula, Mia Couto escreveu:
- Não gosto de pretos (...)
- Dos brancos?
- Também não (...)
- Eu gosto de homens que não tem raça.

Esta tarde (só eu sei), Carla Veríssimo escreve:
Não me apetece ouvir pretos a falar.
Brancos?
Também não.
Apetece-me estoricar.

Não me apetece estas velhas (todas) parvas. Estas velhas todas. Estas velhas parvas. Estas velhas todas parvas, Onde é que é o 26? Desculpe mas o 3 é o meu lugar! Olhe, no 57 sou eu!
Não quero esta gente louca engalfinhada no corredor estreito do autocarro.
Não me apetece ver ciganos, nem ciganas, nem os seus filhos sempre muito(s) imundos.
Não quero ver choninhas de camisa dentro das calças, óculos fundo garrafa, a mandar beijinhos à namorada, que vai partir, num autocarro de gente louca.
Não m’ápetéce saber que o námuradu de uma que vai atrás de mim desbunda mêmu à grande; e que o da outra que vai ao lado dela e fala à tia de Cascais tá dentro de cana.
Não gosto da raça de homens que não tem preceito na fala, e fala dá-le, auga, taobein, pirula, quaise, treuze, hás-de, prontos, dissestes, cuatorze.
Não quero ver carros a passar com protectores solares colados aos vidros, com desenhos do Shrek, Fiona, Burro, Gato das Botas e Companhia Lda.
Quero estoricar sem esturricar. E sem estes tremeliques por causa de uma estrada que pagamos para ser mantida em mau Estado.
O Estado… esse infame derradeiro, da Nação aborrecida.
Desta nação em estado de queixume constante.
Não quero ver Parques de Merendas abarrotados de gente abarrotada depois de almoços de Domingo.
Não quero ver cães presos por correntes, às correntes de um tractor.
Vou lá passar o fim-de-semana com ele e ainda se mete com merdas a dizer que não gosto o suficiente dele?? Havia de ser outra a fazer por ele, o que eu faço! Ele deve pensar que tenho orgulho em ir passar o fim-de-semana com o meu namorado à prisa?
Não quero saber dos presos! Nem das conversas dos presos! Nem dos namorados presos das que não estão presas!
Não quero ver árvores tombadas de velhice. Falta de ar. Ventanias várias.
Homens (ou Mulheres) sedentos de papel. Papel. Carcanhol. Trocos. Cheta. Tlimtlim. Tusto. Graveto. Tostão. Pasta.
Não me apetece ver couves nos quintais, por entre hibiscos, arbustos, coentros, salsa e palmeiras de jardins com cada verde da sua nação.
E a Vanessa, que não liga nenhuma ao Márcio e só faz merda. E o chavalo é bonito. Tenho olhos na cara é pra ver!
Virar-me pra trás, arregalar os olhos e gritar: CALA-TE!
E depois em tom normal acrescentar: Chavala!
Não quero ver toldos de igrejas com a mensagem: Jesus é Amigo.
Não quero ver namorados a catar namoradas, nas paragens de autocarro.
Não me apetece ver casas pintadas de verde-água.
Não gosto de ouvir dizer encarnado.
Não quero estar à rasca pra mijar, só porque é mais chique estar aflita para ir à casa-de-banho, tá a ver?
Não me apetece ouvir (poucas vezes, mas ouvir) a Venezuelana, Barranquenha, Espanhola ou Lá o Que É, da que vai ao lado da tia de Cascais.
Não quero ver as velhas que se atropelam agora para saírem do 26, do 3 e do 57. Não as quero ver engalfinhadas, a engalfinhar a bagageira do taxista com os seus sacos dos ciganos (carregados de roupa). Não quero ver a tia de Cascais e a Venezuelana, Barranquenha, Espanhola ou Lá o Que É, a meter dentro também as suas malas e malinhas, o taxista já todo carregado, a carregar a embraiagem aldeia fora.
Não quero ver-lhe a cara de matarroana, aldeã, campesina… nada a ver com a voz de tia, mas tá a ver, com a unha pintada de encarnado!
Não quero cartazes “Aceita-se terras”, com o verbo no singular e o substantivo no plural, como se fossem um Mia Couto, sonâmbulo, a aceitar uma terra.
Eu gosto de comboios que não tem raça de homens… descarrilados.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Antes da estupidez

Ter confiança numa mulher. As mulheres são perigosas, tão perigosas que traem, que fazem sofrer, que matam. Querer acreditar nelas, numa delas, ganhar confiança, casar, criar família. Só ter desconfiança. Uma palavra mais clara: cepticismo. Pensar no sexo. Agarrar o pescoço de uma fêmea e mordê-lo, beliscar as nádegas de uma senhora, espreitar pelo buraco da fechadura e ver uma dama despida e sentada em cima de uma sanita. Penetrar o sexo com o sexo. Transpirar abraçado a uma pele. O sexo é muito forte. E o erotismo e a imaginação. E o arrependimento. A fêmea está de pernas abertas, o pénis entra, joga o jogo, adormece e arrepende-se. Ganha consciência da fraqueza de certas vontades. A vontade que leva a trair é mais fraca do que o arrependimento. Se o indivíduo que vai trair conseguisse sentir sempre o mesmo estado de alma que se segue ao orgasmo, nunca pensaria em sair de casa. Faltar-lhe-ia o desejo. Quando vais na rua, queres violar X, rasgar o vestido de Y, ir para a cama com Z. Mesmo casado, pensas nisso. Um homem (ou uma mulher) não fica livre de vontades que a racionalidade não controla. Acordas sozinho e com vontade de fornicar. Se não fores comprometido, vá lá, se não fores casado, a tua consciência estará livre do pecado. Poderás pensar em mil mulheres. Se tiveres uma namorada, uma esposa, estarás preso. O pecado será o teu maior inimigo. Estará sempre presente. Como Deus. Um ao lado do outro a ver quem faz o quê. Queres trair sem arrependimento. O que acontecerá se traíres? Nada. Continuarás a ser o mesmo homem, só que com uma dose maior de pecado em cima do corpo. Acreditas em castigos? Também acreditas na atracção e no sémen espalhado pelo corpo da menina. E no arrependimento. E na vergonha. Se tudo isto está dentro de ti, não deverias trair. Há o arrependimento. Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti. Há a vingança. Faz aos outros aquilo que te fizeram. Trai, bate, esfola, parte. Se fizeres o mesmo que te fizeram, sentir-te-ás melhor (que mentira) e arrependido. As mulheres são perigosas. Tu és perigoso. Somos animais. Não confies em ninguém. Ninguém confia em ti. O sorriso da tua senhora é um pequeno passo para a infidelidade e para o teu sofrimento e para o sofrimento dela. Queres trair se fores traído. Uma evidência. Mas não queres trair para sentires uma dor maior do que aquela que tinhas antes da estupidez.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Crónica escrita num quarto onde se tentou fazer amor

Por favor não me deixes assim!
O que se passou entre nós?
Porque não deste um toque?
Eu aqui a estudar, sempre na expectativa de um toque, uma mensagem, uma chamada.
O que te aconteceu?
Ainda ontem aqui viste depois de jantar.
Ainda ontem na minha cama, lembras-te?
- Ritinha.
Ainda ontem, coiso e tal, eu embrulhada no cobertor, tu a meteres a mão na minha coxa.
Eu a beijar-te. A chegar-me a ti.
Tu sentado. Tu tal e o coiso.
Eu em cima de ti. Eu atrapalhada no cinto.
Eu a tirar-te as calças.
- Assim não dá.
Eu a perceber que para te tirar as calças, tinha primeiro de te tirar as sapatilhas.
Tu a olhares para mim. Eu atrapalhada nos atacadores.
Da janela via-se a Lapa. A Lapa, o quartel, e pouco mais.
Mais uns tempos, acabo a escola e mudo-me daqui.
Eu a pensar que podias vir-te comigo.
E nisto tu a chamares-me Ritinha.
- Não sei o que se passa, Ritinha.
Isto nunca me aconteceu.
Tu sem ímpeto. Tu murcho…
Eu a ajudar-te. A dar o meu melhor para que aquilo ganhasse vida própria.
E ganhava. E fazíamos mais uma investida.
Mas de repente, tu outra vez:
- Não pode ser. A sério, Ritinha. Não sei o que se passa.
Já houve noites em que fumei, bebi e correu tudo lindamente.
Eu a beijar-te. A dizer-te Não te preocupes. Paramos um pouco. Dormimos, e quando acordarmos voltamos a tentar.
- Não contas isto a ninguém! Que vergonha. Eu só com 23 aninhos.
Claro que não conto a ninguém.
Claro que dormimos, e claro que quando acordámos não voltámos a tentar. Saíste para a rua. Entraste no carro e deste à chave.
Eu a olhar-te da janela. O carro trrrrr, trrrrr, trrrr... a não querer pegar.
Eu a rir. Claro que não era por maldade. Mas nada teu pegava.
Desci a ver se precisavas de ajuda.
Eu ali, a dar, novamente, o meu melhor para que aquilo ganhasse vida própria.
E ganhou. E fizeste mais uma investida. Desta vez no acelerador. E foste-te.
Mas podes vir-te hoje à noite.
Tentamos no carro. À janela. Eu ponho uns cremes. Uma música. Começo pelas sapatilhas. Não me atrapalho nos atacadores. E vais ver como vai ser coiso e tal, na tua vida própria.

domingo, 21 de setembro de 2008

As águas que choram algures

As águas que choram algures acariciam-nos, levando de nós e das nossas vidas tudo o que é impuro, tudo o que já não serve e que a alma já estranha...
Peço à chuva que dance em mim e me ajude a deixar para trás o passado e todas as suas amarguras...
Nas minhas margens, resta o silêncio perante a vida que foi mas já não é, a vida que muda a cada instante e transfigira experiências e sentimentos...
O vento mágico devora a chuva caída e os restos de tudo... de tudo o que passou de tudo o que tem de ficar para trás para nos libertar do seu peso e nos permitir prosseguir...
Qual de nós sabe que chão pisa?... E ainda assim pisamo-lo... vendo-o por vezes virar-se contra nós, como se tivéssemos outra alternativa além de pisá-lo...
Sinto frio na alma, como tu... o frio do vazio deixado pelo passado que se esvai à medida que um presente novo e desconhecido se instala, um presente bom, prometendo ser quente, mas que ainda é frio e desconhecido... um presente que não deixa sulcos, ao contrário desse passado de que me pretendo desprender... não me reconheço, sempre fui susceptível a sulcos, parece que não me deixo atingir já como antes...
Um corpo é sempre frágil; este move-se apressado, tentando esconder dos demais os seus medos e as suas confusões... numa dança de palcos fantasiados que aos poucos se transformam em realidade, perante a minha espupefacção... e a minha vida sedenta de beleza vai-se enchendo dela... não escondo nada do vento nem da chuva... tudo o que precisar ir vá, sem dó nem piedade... não desejo nada que pertença a esse passado, nada que não me pertença a mim.
Abandono quem fui aqui e deixo-me acariciar pelas águas que choram algures...
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Prosa poética inspirada após as leitura do poema
"Abando-me aqui" de Piedade Araújo Sol http://olharemtonsdemaresia.blogspot.com/
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Autora :Porcelain Doll
Foto:Q

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Um som terrível no escuro

Nesse Setembro de 75, dois jovens portugueses, colegas de profissão, aproveitavam as férias e um Dyane comprado há pouco para espraiarem a liberdade por paragens além-fronteiras. Levavam uma tenda canadiana e acampavam onde calhava. Viajavam ao sabor dos acontecimentos, confiados nas benevolências do acaso.

Em Vitória, já país basco, a notícia do dia era a morte de mais um «carabinero». Pressentindo a morte iminente de Franco, os separatistas da ETA intensificavam o número de atentados.

Petiscaram num bar e voltaram à estrada procurando um local para acampar. Uns quilómetros à frente, encontraram um terreno plano ao lado da estrada e entraram. Ainda de faróis acesos e motor a trabalhar, foram rapidamente cercados por vários guardas que iam a passar em dois jipes. Tentaram explicar-se em espanhol, mas, porque falassem suficientemente bem, porque a matrícula começava pelas mesmas letras que as de Burgos, ou pela ideia apetecível aos militares de que tinham apanhado dois terroristas, não estava a ser fácil convencê-los da origem lisboeta dos intrusos.

Nisto, chegaram mais guardas comandados por um graduado. Estes, nem dúvidas tiveram. Ao verem aquele aparato, saltaram dos jipes em atitude de grande sanha bélica e, sem darem tempo a qualquer explicação, gritaram que os suspeitos saíssem do carro. Tensos. Os jovens saíram, ofuscados pela luz forte dos faróis, para logo ouvirem ordens de «manos en el aire!», quase abafadas pelo matraquear metálico de muitas culatras puxadas atrás.

Quem vos conta isto levantou as mãos lentamente, virou-se e apoiou-as no carro, rodando o rosto para o lado contrário ao dos guardas, para que nem o olhar pudesse fornecer qualquer pretexto ao nervosismo revanchista dos carabineiros. Durante uma eternidade de segundos, esperou ser trespassado, senão por um sem-número de balas à queima-roupa, com certeza por aquela que só obedece ao diabo e que é disparada até pelas espingardas descarregadas.

[Publicado no blogue Universos Assimétricos]



Um Lobo e um Barco encontram-se em alto mar.

(Pausa)

Nem o Barco sabe o nome do Lobo,

Nem o Lobo sabe o nome do Barco...




terça-feira, 16 de setembro de 2008

Dentro das fotografias existimos sempre; hoje cais no meu painel de fotos;significará que passas a existir para sempre?que vida é a de alguém, a olhar para mim, do outro lado de uma fotografia? com o seu sorriso, a sua pose, a sua distracção, o seu olhar no infinito, a sua língua de fora, a sua vergonha, o seu choro, a sua dor, a sua inocência, a sua naturalidade, a sua cabecita de lado, o seu ar provocador...?Como é que tudo isto chegou até ali? àquele flash? Se é que o houve...àquela fotografia onde era presente e agora é passado, que fica para o futuro?Ainda vivos, estamos ''mortos'' nesses pedaços de papel... nenhum de nós volta a viver o segundo ínfimo em que alguém atrás da máquina dispara.é uma das muitas formas que arranjámos de nos imortalizar, de perpetuar no tempo, nas gerações, nas culturas, nos povos, nos lugares, nas gentes,... nos outros, em nós próprios.Esse segundo ínfimo em que alguém atrás da máquina dispara.hoje cais no meu painel de fotos.Esse alguém que decide como e quando e porquê congelar um momento no tempo. Nas gerações, nas culturas, nos povos, nos lugares, nas gentes,... nos outros, em nós próprios.esse sempre que há nas fotografias. Esse nunca mais.Este não conseguir parar de escrever sobre elas. e achar que ainda não me expliquei o suficiente...Elas que são quem as tira e pode tremer. E lá fica aquele segundo ínfimo pouco nítido aos olhos de quem vê.elas que são quem as tira e não tremendo, pode ficar horrorizado com o que capta.Um alguém que pode sentir que tem de disparar o botão perante algo singelo, alguma simplicidade, algum menino a dormir...com respeito.Esta forma de arte com dois lados: atrás e à frente do botão.ambos têm de existir para que tenhamos um resultado final, porém ninguém vê o que esteve atrás do botão no segundo ínfimo de disparar...E também ninguém vê o que esteve antes e depois desse segundo, à frente do botão, a não ser quem estava atrás dele.se não compreendermos como tudo isto chegou até ali, podemos subestimar esta forma de arte...embora hajam fotografias que falam por si, que não precisam de palavras, que qualquer sílaba as desvirtua.Sou eu nas fotografias dos outros, nos painéis em casa deles, nas molduras, nas paredes...são os outros no meu painel de fotos.

01-03.09.08

Preciso de te escrever.
Escrever de ti. De mim. De ti em mim. Do nós que fomos. Do porquê. Do como. Do onde.
Preciso do quando.
Do quê.
Do para.
Do por.
Escrever-te as linhas do teu corpo no meu.
Escrever os teus beijos. O teu carinho. As tuas carícias.
Faz uns dias que tu em mim. Não sei precisar a hora. Nem da conversa, nem de nós de pé.
Não sei precisar o segundo em que te disse Senta-te aqui. Não sei precisar o instante em que te deitaste para trás e entraste assim na minha casa. Não sei do tic-tac do relógio, quando o tic-tac do músculo do teu braço direito, debaixo da minha cabeça.
Não sei de quando as tuas massagens nas minhas costas, e as tuas mãos atrevidas nas laterais dos meus seios; não sei quando terminaste, nem te baixaste e nos beijámos, de lado, eu de barriga para baixo, tu de barriga para baixo. Tu, em cima de mim.
Não sei precisar a hora disto tudo, mas sei precisar de ti.
Precisar que entres assim na minha vida, como entraste assim na minha casa, e como entraste, assim, em mim……….
Sei precisar de te escrever.
Não páro de pensar em ti, de escrever em ti.
Retenho aquele beijo de despedida, no canto da boca, em que os teus lábios procuraram os meus, num prazer fugidio; retenho os teus sorrisos, os gestos, as expressões faciais, o piscar de olhos, os beijos que me davas, e os que não davas, mas simulavas, naquele gesto sem ninguém mais ver.
Custaram-me a existência dela, a fotografia dela. Custou-me o som de ave nocturna, a cada mensagem; custou-me o porta-chaves do carro com o nome dela; custou-me o anel no teu dedo; custou-me tu e ela, os projectos, as perspectivas, a casa, as férias, …
Retenho as tuas mãos nas minhas coxas, nas minhas costas, os teus lábios e a tua língua no mais íntimo de mim… Esse beijo muito leve, quase só um sopro, na minha virilha...
Retenho os teus cabelos, o teu corpo. Tu nú, embrulhado na toalha, depois do banho. Os teus lábios desenhados, o teu rabo,…
Se pudesse largar tudo. Se pudesses largar tudo.
Sem medos, sem hesitares.
Sem dúvidas.
Retenho o nosso baloiçar na rede.
Reaprendi que a vida são passos dados num caminho de pó, e um dia há pegadas que se cruzam.
Foste um sorriso na minha cara, como não me desenhavam há muito, muito tempo.
Retenho a tua voz. O teu sotaque.
O teu olhar doce, meu doce.
Retenho a loucura das noites, dos impulsos, das cumplicidades, da intimidade.
Pergunto-me Porquê?
Como? Onde? Quando? Quê? Para? Por?
Vou fechar-te um pouco.
Preciso de escrever as linhas do teu corpo no meu.

PAPILAS




Laço, no fio de açúcar, um nó na boca,
Algodão doce como roupa de dormir
É veste que derrete se sonhar quentura...

Um bombom no lugar do seio direito
Farta desejos que não se controlam,
Cereja no leito é deleite para insone...

Durmo e acordo pensando chantilly,
Se o mundo é perfeito ou com defeito
Uma calda de delírio salva a receita...

sábado, 13 de setembro de 2008

Nudez...


Nudez



O meu corpo é um castelo.
Cada cicatriz tem tantas janelas,
Que o vento abre e encontra uma casa fria.



Uma tensão frágil e romântica num silêncio,
O perfil é uma incógnita…
O ventre é um mar em revolta,
A prata brilha nos olhos,
E a pele é seda embalsamada no passar dos anos.



O toque encontra memórias,
Mas despir um corpo não é somente
Livrá-lo das vestes.
É descobrir a essência;
Libertar um pássaro aprisionado.






poema e fotografia, Liliana Jasmim

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Quando há amanhã

Contemplando... entre a luz e a sombra,
num espasmo incolor.
Sentei-me ao longo deste patamar e deixei para ontem os bancos de jardim.
Ao longe, não vi nada...
Ninguém me viu contemplar.

VT

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Convite para Exposição de Pintura


Problemas



Morrer é um problema. Perder a respiração ou ficar debaixo de um camião. Morrer é um problema. A pessoa sabe que vai desaparecer e tem medo de que não haja mais nada do que isto. Isto. Este bocadinho de nada. A Terra. Tão bonita e tão cheia de lixo. A pessoa vai morrer e não quer admitir que está velha, cansada, e que precisa da ajuda de todos. É um problema grave, o da morte. O de se ir chegando a um final, a uma meta sem prémio. Não há nada pior do que se saber que os doutoramentos, as roupas e as festas de agora, pouco sentido fazem perante a evidência de que o corpo animal se vai deteriorando progressivamente, até se tornar num pequeno pedaço de excremento e depois de cinza. Mas há a vida, dizem. Há a festa. Há a luz, o sorriso, o Sol, o amarelo, um vestido de mulher na Primavera, o cigarro, a cerveja, os filhos, os pais, o Carnaval, a felicidade. Na verdade, há tão pouco, mas tão pouco, que, se tivéssemos real percepção da quantidade de momentos bons que vamos tendo ao longo dos dias, acabávamos com a reserva nacional de veneno para os ratos. É tudo muito triste. O neto rezar todas as noites para que a sua avó não morra. A avó desaparecer. O neto crescer, tornar-se avô e também ele morrer para os seus netos. Os ciclos, pois. Uma mãe dar à luz uma pequena criança morta. Um cidadão vulgar assistir ao atropelamento de um desconhecido. Um grupo de adolescentes pegar em armas para matar. O expirar. Como o passaporte. Expiras no ano x. Acabas aí. Como é que alguém se convence que vai desaparecer, deixando o mundo continuar a sua trajectória habitual? Querer que o Elvis não tenha morrido. E o Morrison. E o Dean. E a juventude cada vez mais velha. Os cabelos a ficarem brancos, os pêlos no nariz, os dentes amarelecidos, acastanhados. Pretos, podres. Estúpidos, os dentes. O amor eterno. O casamento. Declaro-vos marido e mulher. É para sempre, meu amor? É, minha queridinha, meu mais que tudo, meu sei-lá-que-mais. Pode beijar a noiva. Beije a noiva. Beije-a. Um beijinho. Atirem arroz aos noivos. Deixem-nos correr para as varizes. O rapaz e a rapariga debaixo de uma árvore num dia de Agosto. Com um canivete, desenham um coração na madeira. Ele ama-a. Que bonitos. Vais ficar comigo? Sim, claro, que pergunta. Para sempre? É para sempre que aqui ficas nos meus braços? Sim, é para sempre. Vamos sobrevoar o espaço e as estrelas e os planetas. Vamos abrir uma cova e enfiar os nossos ossos lá dentro, para que nos ponham flores cheirosas. Para que nos chova em cima e para que os vermes nos comam. Os bichos. Adoro animais, não adoras também? Muito, meu doce. Especialmente quando nos comem os pêlos, a pele, a carne e o osso. Quando nos desfazem, quando nos transformam em fertilizante natural para o pasto das vacas, dos bois. O progresso, o contínuo caminhar até ao desaparecimento. Nascer com ideias, com sonhos, com projectos. Querer ser arquitecto, estudar vinte anos, exercer vinte anos, acabar com um cancro espalhado pelo corpo. Dor infinita. Morfina. Quimioterapia. Qual a sensação de começar uma carreira de escritor? A mesma de apanhar uma pneumonia, ficar de cama. A mesma de pregar um prego no pé e ir a correr para o colo da velhinha que já não cá mora. O ter um livro, um quintal, uma beterraba a nascer. Problemas.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

o blogue das artes em destaque



http://meninamarota.blogspot.com/


"...semanalmente,é divulgado no item “Blogues em Destaque” (à direita da página), do blogue acima aqueles que pelo seu conteúdo ou carisma, chamaram a atenção da autora daquela página.
"É esta a mensagem que refere os motivos porque estão, semanalmente, 3 blogues em destaque... Hoje, uma das escolhas da autora recaíu no Blogue das Artes pela selecção de pessoas e palavras que nos oferece a ler.


Foto:GEDAH

Solicitam-se SONHOS


A quem estiver interessado em participar criativamente na minha nova encenação a estrear ainda no final deste ano, solicito que me enviem descrições de sonhos que tenham tido ultimamente ou que vos tenham sido recorrentes numa fase específica das vossas vidas. O tema do sonho será um dos pontos dramatúrgicos principais a desenvolver neste meu novo trabalho que terá um desenvolvimento em três partes, sendo a primeira um espectáculo de teatro. As descrições não têm forçosamente de ter lógica narrativa podendo corresponder apenas a partes de sonhos, uma vez que muitos dos sonhos que se sonham são incompletos e parecem não ter qualquer significado.Todos os participantes facultativos serão anunciados como colaboradores no programa do espectáculo caso se identifiquem. Podem enviar para a caixa de comentários deste post ou para o meu email: martim.pedroso@gmail.com
Conto com a vossa participação,
Até breve
MP

Suposições nocturnas...



Foto por Daniela Pereira in www.olhares.com/blueiela
Direitos reservados

Poema em "psyco-fire mode"



Cala-me os sons da noite
porque só a tua respiração me importa ouvir...
Prende-me as luzes do quarto
que trago soltas no meu cabelo
e afaga-me delicadamente a pele
até me sentires apagada nos teus braços...
Existe um perfume no ar
e o meu corpo é uma maçã verde
que suculenta vai-se desfazendo na tua boca
e nos teus dedos
já se faz em pedaços...
Quero Vinho do Porto a regar-me o umbigo
e ser um cálice pronto a partir
ao primeiro toque
Quero lamber-te a pele
com a boca molhada
e a língua enrolada em puras brasas
mas sem te queimar o sangue
e só chamuscar-te de mansinho...
Quero beijos no pescoço
dados sem pressa
e sem destino nenhum
quero ver-te a percorrer-me as pernas
com as mãos pingando desejo
e os olhos aprisionados junto aos meus seios...
Podes fugir com a boca inquieta
e escalar-me o corpo com carinho
porque tens montanhas em êxtase
à espera de sentir a terra tremer...
Não me apetecem sombras nas paredes...
todos os objectos neste quarto
estão deformados no meu olhar
e eu só quero a tua sombra sobre mim
a esconder-me as curvas
entre vagas com uma ondulação vigorosa...


Murmuras baixinho
quando te desenterro a alma
com as pernas arqueadas
e voamos juntos
de asas abraçadas
deixando no chão do quarto
segredos curtos sussurrados e longas marcas de prazer...

Daniela Pereira
Direitos Reservados

Apresentação de Palcos Cruzados - Assoc. Cultural



No próximo sábado, dia 6 de Setembro, vamos apresentar formalmente a nossa Associação D´Artes PALCOS CRUZADOS, na Biblioteca Municipal de Vale de Cambra – às 21:00 horas.

Com este evento, vamos apresentar simultaneamente uma exposição de pintura, assim como escultura, fotografia, música, teatro e poesia.

Somos uma Associação Cultural, sediada em Vale de Cambra, criada para promover, divulgar e inspirar todos os tipos de arte e seus autores ou simples admiradores. Queremos roçar a tradição e a ousar a inovação, com declamação de poesia, teatro, exposições de pintura etc...



quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Vómito

Ele conhecia os homens. Mal viam uma mulher sozinha, tratavam de a tentar engatar. Sim, engatar, palavra feia, pegajosa, peçonhenta, nojenta. Só conhecia homens maus. Não conseguia confiar em nenhum. Como poderia tal situação ocorrer se, da única vez em que decidira depositar alguma confiança num amigo, fora traído, espicaçado? Não poderia voltar a dizer palavras como estas a um sujeito de barba: «Guarda a minha mulher que não me demoro muito. Vou só ao outro lado do mundo ganhar a vida mas volto já. Um ano, dois. Confio em ti como se fosses meu irmão.» Nem pensar. Voltaria a sofrer, a estar deprimido, a tomar comprimidos para doenças cujos nomes não lhe eram de fácil memorização. Era um facto: ele conhecia os homens. Todavia, essa sabedoria não lhe chegava para conhecer o lado feminino da espécie. Conhecera uma grande mulher: a avó. Uma santa, um ser humano tão perfeito, mas tão perfeito, que não tinha lugar entre o mundo dos vivos. Infelizmente. Se a avó fosse viva, costumava pensar, o ecossistema estaria em melhor estado. Menos pessimista.

Os homens. Que fizera ele para conhecer tantas caras de rato, tanta maldade, tanta sujidade? Olhava para o lado e via tipos a lamberem o ânus de outros a troco de ninharias. Uma promoção, uma pequena ascenção social. Preferia saber que toda a espécie morrera num grande incêndio ou numa guerra devastadora, do que continuar a ter que apertar a mão a pessoas que apenas o procuravam por interesse, que mentiam, que suavam. Ele detestava mais o suor das mãos das pessoas do que a bomba atómica. Davam-lhe nojo, não conseguia evitar. O único elemento que o impedia de se suicidar sempre que se lembrava da Humanidade era ele próprio, um ser humano cheio de pêlos no nariz. Às vezes, quando se sentia um pouco mais irreal, punha-se dentro de uma banheira cheia de água a escaldar e gritava, gritava, gritava. «Desapareçam.» O que o enojava mais era a sua figura. Odiava-se. Pedia a Deus que o fizesse morrer de morte súbita todos os dias. Em adolescente, chegara a cortar as veias dos pulsos. Sentira um pouco do significado da palavra desaparecer invadir-lhe o pensamento. Mas logo apareceram os pais, os médicos e a comunidade a garantirem que o suicídio era feio, que, dessa maneira, São Pedro não o deixaria entrar no Paraíso. Desde essa vez, nunca mais se tentara matar.Mesmo sofrendo cada dia mais, preferia esperar que alguém o viesse buscar ao planeta dos demónios.

Ele tinha trinta e seis anos, pouca inteligência dentro do crânio e muito sofrimento entalado no peito. Gostava do Sol porque era amarelo e, apesar de nunca ter sido feliz, lhe lembrava dias de felicidade. Gostava de girassóis porque eram amarelos e o amarelo era a cor de quem nunca chorava. E ele chorava tanto, tanto. Até dava nojo. Vontade de vomitar. «Como pode um só elemento da espécie sofrer de modo tão absurdo?», pensava ele. «Será que ficou tudo reservado para mim?» Ele gostava de imaginar que, um dia, conseguiria obter resposta para todas as suas perguntas. «O que é o amor?» O problema de muitos sonhos é serem perfeitos. Isto porque, sendo perfeitos, não existem. E, se não existem, desaparecem mais depressa do que o tempo de um segundo se esgotar. Para ele, um sonho perfeito era ter uma namorada e dar-lhe um beijo e pedi-la em casamento. Mas acordava sempre sozinho, sempre cada vez mais sozinho e cada vez mais em pânico com a dura certeza de que a vida não valia mais do que dois tostões furados. E dava pulos em cima da cama, partia os móveis com pontapés, feria as mãos com murros nas duras paredes de cimento.

www.zeromaisquatro.blogspot.com

terça-feira, 2 de setembro de 2008

perto do ceu

a tristeza voa no meu peito, transforma-me em pássaro errante.faz-me sentir leve do vazio que nas veias se entranha. abro as minhas asas na tentativa de partir. elevo o meu desolado corpo pelos céus que me não entendem.perco-me nos caminhos desenhados entre as nuvens cinzentas.não encontro o porto certo para a chegada e distancio-me do jardim da partida.voo em sinuosos círculos, entristecida e perdida.este não é o caminho dos bandos de pássaros felizes.por aqui nada migra ou se passeia.fiquei retida nos tons amargos do cinza chuvoso.onde os ventos sopram uns contra os outros a todo o fôlego. perdi-me! preciso de ajuda para me conseguir salvar.

Autor:pin-gente

Foto:Agnieska Motyka

O Homem ou é Tonto ou É Mulher

"O Homem ou É Tonto ou É Mulher" de Gonçalo M. Tavares

A peça é uma sequência de textos em que um homem "salta de assunto para assunto, em reflexão sobre si próprio e os outros e as suas relações com os outros". A ironia e o humor são uma constante no discurso.

"Mas não julguem que não penso.
Eu sou é um pensador doméstico.
Fecho-me em casa e penso muito.
Quando venho cá para fora é que começo a disfarça(...)
É muito difícil ser inteligente com tanta rapariga bonita a passar."

(by Gonçalo M. Tavares, 2002)


para os mais interessados em saber mais sobre o autor fica o endereço electrónico da sua página pessoal http://goncalomtavares.blogspot.com/

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Traditore


Porque se sentia tomado de uma saudade pungente dos seus passeios à beira-mar em Trieste, foi dada a Rilke, a oportunidade de sair do Além e voltar ao nosso mundo por uns tempos.Rilke veio, munido de um resquício de sabedoria celeste, que lhe conferia o conhecimento de todas as línguas e dialectos do mundo. Com essa vantagem sobre os demais, entregou-se apaixonadamente à leitura, enquanto retomava os seus passeios sonhadores.

Entre os muitos autores que leu, havia um com o mesmo nome que ele, Rainer Maria Rilke.

Rilke gostou muito de o ler, em diferentes línguas.

"Este autor ainda é vivo? - perguntou a uma bibliotecária.

"Não, não fisicamente, morreu em 1928!".

"Que estranho! - admirou-se Rilke, falando para si mesmo - tinha o mesmo nome que eu e morreu no mesmo ano, mas escrevia de uma maneira tão diferente da minha!".


(Estrada de Santiago)