quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Diz-se que o homem morreu

A morte, não a pequena mas a grande. A Morte. Desaparecer. Os dias parecem lentos, cada vez mais lentos, até se tornarem mais rápidos do que a velocidade da luz. A vida demora sempre muito tempo a ir embora. A vida está sempre a ir embora. Os dias são velozes. As expectativas desaparecem mais depressa do que aquilo que já aconteceu. O futuro tem sempre uma grande dose de passado. Pensa-se no amanhã quando o ontem está mesmo a dar à costa. Com catorze anos, dizes que queres morrer aos vinte e sete, imitando a vedeta rock. Ficas espantado quando descobres que treze anos passam com a rapidez de um trovão. O tempo passa muito depressa. Um ano passa mais depressa do que o teu sonho de ser feliz. Às vezes, um homem nasce e morre sem nunca ter conhecido a felicidade. Depois diz-se que o homem morreu sem um sorriso na boca. E culpam-se aqueles que ficaram no mundo dos vivos por nunca terem feito feliz aquele que perdeu o ar. Mas a verdade é outra: podes morrer sem nunca ter tido tempo para aquilo que realmente importa. Os homens falam mais do que agem e depois não mordem. Morrem, isso, morrem sempre um bocadinho mais a cada momento que passa. Parece trágico. Talvez. Também dá para morrer sem nunca ter sido infeliz. Como é que se morre sem infelicidade? Não conhecendo ninguém. Ser sozinho sem nunca ter conhecido pessoas. Sem nunca ter conhecido. Esta é uma parte muito importante. Sem nunca ter conhecido. Se te isolares após teres conhecido, por exemplo, o cheiro de uma linda mulher, não poderás fugir à dor. O ideal é um homem estar dentro da caverna escura, não querendo sequer olhar para as sombras. Quando se liga a televisão, dá-se a mostrar o físico da sereia. Na rua, mesmo fixando os olhos nas pedras da calçada, não se pode fugir ao encanto de certos corpos que dançam como serpentes. Não podes fugir à dor se conheceres pessoas. És livre de fingir deficiência, cegueira, surdez, mudez, retardamento cognitivo, tudo. Podes atirar o monóculo para o lixo, partir os óculos com graduação de sete para ver ao longe. Se já viste, de nada vale fingires que não podes ver. O presente é sempre ultrapassado pelo passado. Estás aqui agora, neste preciso momento, e sabes que não podes fugir ao processo natural de envelhecimento. A tua vida é o passado: a tua felicidade, melhor, todas as tuas causas de infelicidade residem no passado. O beijo perfeito foi dado no passado. O amor da tua vida apareceu há ano e meio. O teu casamento foi há vinte anos. Agora, estás em queda livre para a infelicidade. A pele envelhece, o cérebro apaga-se. Como as velas que não têm cera nem pavio suficiente para arder eternamente. Foste feliz, dizes. Concordo. Palmas. Mas queres saber o seguinte: a tua infelicidade é consequência directa da tua felicidade. Quanto mais alegre fores, mais triste serás. Conheceste a perfeição há três dias? Nunca mais a verás. Foi-se, acabou, é passado. Solução: atrasa o relógio duas horas, três, se o teu calendário disser Setembro, atrasa-o para Janeiro e imagina que estás a começar o ano que começou há nove meses. Se estiveres no século XXI, finge-te do século XX e pensa nos cheiros, nas roupas, nas pessoas. Lembra-te da forma que as mulheres tinham de beijar no século passado.

1 Comment:

Carla Veríssimo said...

Mais um texto muito bonito!
Parabéns