Ele conhecia os homens. Mal viam uma mulher sozinha, tratavam de a tentar engatar. Sim, engatar, palavra feia, pegajosa, peçonhenta, nojenta. Só conhecia homens maus. Não conseguia confiar em nenhum. Como poderia tal situação ocorrer se, da única vez em que decidira depositar alguma confiança num amigo, fora traído, espicaçado? Não poderia voltar a dizer palavras como estas a um sujeito de barba: «Guarda a minha mulher que não me demoro muito. Vou só ao outro lado do mundo ganhar a vida mas volto já. Um ano, dois. Confio em ti como se fosses meu irmão.» Nem pensar. Voltaria a sofrer, a estar deprimido, a tomar comprimidos para doenças cujos nomes não lhe eram de fácil memorização. Era um facto: ele conhecia os homens. Todavia, essa sabedoria não lhe chegava para conhecer o lado feminino da espécie. Conhecera uma grande mulher: a avó. Uma santa, um ser humano tão perfeito, mas tão perfeito, que não tinha lugar entre o mundo dos vivos. Infelizmente. Se a avó fosse viva, costumava pensar, o ecossistema estaria em melhor estado. Menos pessimista.
Os homens. Que fizera ele para conhecer tantas caras de rato, tanta maldade, tanta sujidade? Olhava para o lado e via tipos a lamberem o ânus de outros a troco de ninharias. Uma promoção, uma pequena ascenção social. Preferia saber que toda a espécie morrera num grande incêndio ou numa guerra devastadora, do que continuar a ter que apertar a mão a pessoas que apenas o procuravam por interesse, que mentiam, que suavam. Ele detestava mais o suor das mãos das pessoas do que a bomba atómica. Davam-lhe nojo, não conseguia evitar. O único elemento que o impedia de se suicidar sempre que se lembrava da Humanidade era ele próprio, um ser humano cheio de pêlos no nariz. Às vezes, quando se sentia um pouco mais irreal, punha-se dentro de uma banheira cheia de água a escaldar e gritava, gritava, gritava. «Desapareçam.» O que o enojava mais era a sua figura. Odiava-se. Pedia a Deus que o fizesse morrer de morte súbita todos os dias. Em adolescente, chegara a cortar as veias dos pulsos. Sentira um pouco do significado da palavra desaparecer invadir-lhe o pensamento. Mas logo apareceram os pais, os médicos e a comunidade a garantirem que o suicídio era feio, que, dessa maneira, São Pedro não o deixaria entrar no Paraíso. Desde essa vez, nunca mais se tentara matar.Mesmo sofrendo cada dia mais, preferia esperar que alguém o viesse buscar ao planeta dos demónios.
Ele tinha trinta e seis anos, pouca inteligência dentro do crânio e muito sofrimento entalado no peito. Gostava do Sol porque era amarelo e, apesar de nunca ter sido feliz, lhe lembrava dias de felicidade. Gostava de girassóis porque eram amarelos e o amarelo era a cor de quem nunca chorava. E ele chorava tanto, tanto. Até dava nojo. Vontade de vomitar. «Como pode um só elemento da espécie sofrer de modo tão absurdo?», pensava ele. «Será que ficou tudo reservado para mim?» Ele gostava de imaginar que, um dia, conseguiria obter resposta para todas as suas perguntas. «O que é o amor?» O problema de muitos sonhos é serem perfeitos. Isto porque, sendo perfeitos, não existem. E, se não existem, desaparecem mais depressa do que o tempo de um segundo se esgotar. Para ele, um sonho perfeito era ter uma namorada e dar-lhe um beijo e pedi-la em casamento. Mas acordava sempre sozinho, sempre cada vez mais sozinho e cada vez mais em pânico com a dura certeza de que a vida não valia mais do que dois tostões furados. E dava pulos em cima da cama, partia os móveis com pontapés, feria as mãos com murros nas duras paredes de cimento.
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quinta-feira, 4 de setembro de 2008
O Vómito
Colocado aqui mui gentilmente por Paulo Rodrigues Ferreira à(s) 16:30
Etiquetas: exercícios
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