sábado, 10 de novembro de 2007

Resistindo ao invasor

Estamos há um ano e meio no bunker resistindo ao invasor bem que soldados dele nos batem periodicamente à porta em camisinha branca tentando doutrinar-nos mas nós disfarçamos e dizemos sempre não está ninguém só nós as cadeiras e eles vão-se embora os palermas pelo que conseguimos ver por uma fresta mal tapada do nosso refúgio vêm sempre de prontuário na mão dizendo que ali reside a salvação e que a vírgula marca uma pausa curta e que as reticências assinalam uma suspensão de frase balelas gramaticais e que está para descer à Terra mais coisa menos coisa daqui a um ano vá lá dois o anjo dos três pontos que nos irá salvar mais ainda mas nós não somos desses nunca seremos e nunca nos deixaremos converter e nunca sairemos daqui a chatice é que cheira mal à brava deve ser do Jorge que era um purista e tentou ler o esboço deste texto de um fôlego só como mandam as regras conforme ele dizia e morreu de falta de ar ou disso ou dos pés do Santos da mercearia mas parece-me mais provável ser do Jorge por causa das larvas que já lhe levaram os olhos adiante dizia eu que não usámos não usamos e não usaremos qualquer sinal de pontuação que isso seria pactuar com o inimigo e nós não somos nenhuns vendidos não senhor e não nos deixaremos aculturar até no outro dia o Antunes queria fazer uma concessão e escrever pondo lá pelo meio um ponto em cima de uma vírgula e até fui eu que disse alto lá que isso não é Literatura é deboche um ponto põe-se numa vírgula e depois sabe-se lá o que acontece ainda têm um filho e imagina que sai um ponto de exclamação e depois o ponto diz porra que este não é parecido comigo deve ser filho mas é do leiteiro e a vírgula que chatice és um desconfiado do caraças e o ponto os meus pais e os meus avós também eram baixos e redondos como eu explica-me lá como é que saiu esse fininho ai o caraças que já me estou a chatear e às tantas começavam à porrada e aos tiros e os danos colaterais eram as palavras e depois os textos ficavam em branco e tínhamos que voltar aos sinais de fumo mas os sinais de fumo só lá fora do bunker e assim éramos apanhados e por isso tivemos de matar também o Antunes eh pá se calhar é daí que vem o mau cheiro desculpa lá ó Jorge por te ter invectivado em vão e as larvas não responderam mas vai daí começaram todas a cantar à Hollywood e a fazer sapateado em cima dele deve ser da droga um gajo pensa que estas porcarias só acontecem aos outros mas afinal só dei uma passita, caramba eh pus uma vírgula deve ser de estar drogado que um gajo nestas alturas só pensa em mamas e nem sabe o que faz vai daí o Santos disse-me faz outra dessas faz e também morres e eu respondi tu e mais quantos e espetei-lhe um ponto de interrogação que os invasores tinham deixado por debaixo da porta pelo rabo acima e rodei-o só para chatear e o sacana disse que até nem era mau de todo não é que gostou e que para a próxima quer também um ditongo e eu o caraças ou julgas que eu sou daqueles que põem ditongos onde calha os ditongos são para se usar criteriosamente e ele ‘tá bem e eu cheirei o Antunes para voar mais alto e quando ia a trincar qualquer coisa antes de jantar ou seja mais uma larva do Jorge ela disse-me é melhor não que eu comi dois pontos agora mesmo e estou a sentir-me mal e ainda apanhas uma congestão e eu perguntei onde é que os arranjaste e ela disse foi o Santos que me deu e então tive de acabar também com o Santos que isto da pontuação pode ser como uma epidemia depois espalha-se e sabe-se lá o que pode acontecer ah é verdade como tive de matar o Santos fiquei sozinho aqui com um mau cheiro do caraças mas resistindo despontuação ou morte, vencerei! Porra pus não um mas dois sinais de pontuação deixei-me levar pelo momento pronto não mereço viver bem dizia o Santos vou suicidar-me também nem é preciso fazer muito com este cheiro basta respirar e vou inspirar muito e à brava fui

1 Comment:

Mário Lisboa Duarte said...

Como a vida pontuada

Sempre ponto parágrafo ponto parágrafo reticências ponto final