UM PORTO
Um porto é como uma seara plantada de mastros,
uma azáfama de gritos;
brancos fumos desvanecem o azul;
vou por estas horas em que se deambula de um vinho
a outro vinho, de uma boca salgada a um beijo.
Não haverá regresso, ainda que o digas.
Este oceano começa no tédio das casas.
Giram as hélices ao fundo de uma cabeça citadina -
isto é: na amarga vida das metrópoles.
O ofício das vagas, a minúcia das velas -
outro destino não queria:
empunhei o leme, recolho a âncora, bebo, escrevo -
é como o ranger de desusadas portas, um alarido de
ferros,
uma vibração de ossos há muito sentados.
Tudo acaba na sedução das cadeiras,
das páginas onde soletramos um sonho atlântico,
o ancoradouro que nos prende:
ainda que o digas não partirei -
conheço a nostalgia que vive para sempre no coração da
infância e dos barcos.José Agostinho Baptista
Ao conhecer um poeta, costumo interessar-me pelas suas origens. Não que a poesia seja reflexo do meio que circunscreve o criador; afinal, "tantos mundos foram já reinventados entre quarteirões exíguos, na invariabilidade de cidades onde escorrem os dias". Mas há poetas-lugares que, sendo cidadãos do mundo, se transmutam invariavelmente em aldeias. Em casas.
Assim é José Agostinho Baptista. Etéreo, e familiarmente ilhéu.
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