terça-feira, 28 de outubro de 2008

A voz que se cala

Ele já não conseguia falar com ela. Este facto tão simples complica-se quando se descobre que A sofre por B. O corpo dela dava ares de ser possuidor de uma corrente eléctrica tão potente quanto o peso da baleia em cima do pescador. Andava com aquela mulher há quatro anos e, pela primeira vez, começava a sentir que lhe era, de certo modo, estranha, alguém com quem não se poderia partilhar os mais íntimos pensamentos. Perdes o parceiro quando te deixas de sentir à vontade para convidá-lo para a dança. Para a levar para a cama, ele precisava de implorar, pôr-se de joelhos e pedir: «Por favor.» Às vezes, quando começava a contar uma piada, parava a meio, como se do outro lado não houvesse nada para além da distracção. Todos os dias ele fazia esforço para conseguir suportar a companhia de uma pessoa que, pela indiferença, o fazia querer voltar atrás no tempo. Imagine-se a sensação de ter dois pratos na mesa e só haver um indivíduo sentado para comer. Estar com ela era pior do que estar sozinho. Muito pior. Um homem só tem-se a si próprio. Com ela, aparecia a dor de se sentir perdido e de não ter companhia nem amor. Ele queria ir embora, no entanto, era demasiado cobarde para o fazer. Mais do que isso: egoísta. Preferia ficar com um pássaro na mão do que com dois a voar. Por conseguinte, ia ficando, cada vez mais enroscado na sua pequena teia-de-aranha, cada vez mais peça de mobília, azulejo de parede, fotografia da qual a memória não se recorda do nome.

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