quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Castelo de areia

Acordou de manhã com o telefone a dizer-lhe que homem X havia morrido. Lembrou-se imediatamente da personagem de Camus que não conseguira chorar no funeral da mãe. Acabara de ser informado da morte do homem que o costumava levar ao futebol em criança, no entanto, não se conseguia emocionar. Sofria, sentia uma facada no peito, queria desaparecer, estar longe de tudo, no Pacífico, no Alaska, na neve. Precisava de estar sozinho e de desabar em lágrimas, como a criança que ainda não bebeu o seu leite. Acontece que este sofrimento, que lhe aparecera tão repentinamente, era seco, mudo, e não necessitava de gestos ou de palavras para se propagar. Vinha-lhe à lembrança a imagem de uma criança e de um avô dentro de um carro a tentarem chegar à conclusão se o jogador dos vermelhos se superiorizava ao dos verdes. Apertava-se-lhe o estômago por saber que, a partir daquele momento, da morte, já não havia pai, nem avô, nem avô em substituição. Haviam fotografias, mas nem essas eram certas. Umas estavam adormecidas dentro de gavetas trocadas, outras haviam desaparecido com o vento, com a poeira e com as cinzas. Crescera a pensar que poderia escapar à morte. Não à sua, mas à dos outros. Nunca imaginava a morte da mãe, dos irmãos ou da avó. Sofria a ver programas na televisão que abordassem a problemática em torno de certos seres humanos perderem a respiração e de serem enterrados debaixo da terra. De repente, aparecia-lhe uma notícia de tão explosiva natureza: morrera o símbolo da beleza da infância e da adolescência. Com aquele desaparecimento, iniciar-se-ia uma contagem decrescente até ao momento do seu próprio desaparecimento. Talvez fosse essa falta de tempo que o impedia de exteriorizar a dor.

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