Do alto da fortaleza onde vivo preso,
por vezes, penso ver tudo com tremenda clareza
mas não me encontro nem sigo caminho,
não tiro quaisquer conclusões,
não possuo nenhum método matemático,
nada, apenas sinto as imagens que invejo e
com elas atormento-me em noites de incrível paixão
e precalços de utópica inconsciência,
por enquanto, é meu único mapa através
do delírio da procura parada que não pressigo,
enclausuro tudo num fosso de lava e beatas daninhas,
chega a rodear e depôr o que digo conhecer
mas muito pouco chega alguma vez a acontecer.
Sinto-me triste, deprimido, desiludido com a vida
com pena de mim mesmo, é verdade
é uma fase, vai passar e voltar, rio-me dos
movimentos previstos que se sucedem como os previ e
choro oceanos, mato o que posso, odeio
tudo, odeio todos, odeio-me acima de tudo o que falta odiar,
por quem ainda tenho receio de magoar, mas
muito pouco resta para degradar, nada evito
nem tento melhorar, consumo-me para me libertar
da pouca paciência necessária para não falhar;
não cairei nesse engodo de eterno aborrecimento e fartura
sob a forma de linha de conduta socialmente correcta ou
seria auto-declarado oficialmente morto e desistiria de sofrer.
Assim nos deixo ficar a abrir e fechar a janela
com a testa encostada ao vidro húmido da tentação do exterior,
sentindo suor fresco e mortífero, desesperante, a escorrer-me
ávidamente pela cara e costas abaixo, inerte, sinto-o a
penetrar sem perdão, nas quatro paredes desta cega cela,
no quarto da fustigada fortaleza perdida da figura
Mãe que lhe deu alento e ensinou a moldar manias à
sua imagem e interesse até que, no limite da demência,
cortou as ténues âncoras que o mantinham vivo
a esse abrigo injusto de dependência e foi-se embora
sem olhar para trás, abandonou sua criação, culpou-a por
todo nosso sofrimento e saltou para outro
coração obsessivo com o qual esqueceu o passado.
Digo-vos que sei tudo mas não me levem a sério,
simplesmente porque leio, respiro, tenho olhos e tudo é igual
feito da mesma entidade indiferente a quem demos
poder para receber dádivas com capacidades sádicas de
aguentar mutiláveis terríveis desventuras e insistir e lutar
contra a incompreensão dos desígnios da sorte
inexistente; sei disso e desejo aquela inocência, o início do
desconhecimento da beleza que tanto magoou,
hipotecou o futuro nas chamas cujas chagas ainda sangram,
nada será igual agora que me ofereci como sou, quando
deixei mentiras apoderarem-se do ego para não perder o
que nunca serei, beijei uma ilusão, abraço fantasmas e
hoje tenho medo indiscrítivel de ser novamente rejeitado.
Só neste papiro desperdiçado, reciclável e comercializável
conheço a hirta honestidade, aqui nada humano tenho
a esconder e aquém elevei-me do espírito do reconhecimento,
ninguém lerá, nesta garrafa boiável não tenho nome, nem quero ser,
sempre aqui agi, dando prazer a quem não sente, sem sentir
falho de todas as formas metafísicas existentes e imaginárias;
sei que todos morrem e escrevem mesmo sem caneta, nunca
precisam de ninguém até terem alguém, a falta de toque humano
congela a pele e vai-se deteriorando a partir de dentro até
que nada conseguirá focar por prazer, só me rirei alto
para toda a gente ouvir a falsidade e exaltação da felicidade
destas redundâncias e oportunidades que desaparecem pelas
ruínas e catacumbas esquecidas nos olhares trocados e não retribuídos.
in foto-síntese 2003
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