terça-feira, 10 de junho de 2008

a descoberta

Do alto da fortaleza onde vivo preso,

por vezes, penso ver tudo com tremenda clareza

mas não me encontro nem sigo caminho,

não tiro quaisquer conclusões,

não possuo nenhum método matemático,

nada, apenas sinto as imagens que invejo e

com elas atormento-me em noites de incrível paixão

e precalços de utópica inconsciência,

por enquanto, é meu único mapa através

do delírio da procura parada que não pressigo,

enclausuro tudo num fosso de lava e beatas daninhas,

chega a rodear e depôr o que digo conhecer

mas muito pouco chega alguma vez a acontecer.


Sinto-me triste, deprimido, desiludido com a vida

com pena de mim mesmo, é verdade

é uma fase, vai passar e voltar, rio-me dos

movimentos previstos que se sucedem como os previ e

choro oceanos, mato o que posso, odeio

tudo, odeio todos, odeio-me acima de tudo o que falta odiar,

por quem ainda tenho receio de magoar, mas

muito pouco resta para degradar, nada evito

nem tento melhorar, consumo-me para me libertar

da pouca paciência necessária para não falhar;

não cairei nesse engodo de eterno aborrecimento e fartura

sob a forma de linha de conduta socialmente correcta ou

seria auto-declarado oficialmente morto e desistiria de sofrer.


Assim nos deixo ficar a abrir e fechar a janela

com a testa encostada ao vidro húmido da tentação do exterior,

sentindo suor fresco e mortífero, desesperante, a escorrer-me

ávidamente pela cara e costas abaixo, inerte, sinto-o a

penetrar sem perdão, nas quatro paredes desta cega cela,

no quarto da fustigada fortaleza perdida da figura

Mãe que lhe deu alento e ensinou a moldar manias à

sua imagem e interesse até que, no limite da demência,

cortou as ténues âncoras que o mantinham vivo

a esse abrigo injusto de dependência e foi-se embora

sem olhar para trás, abandonou sua criação, culpou-a por

todo nosso sofrimento e saltou para outro

coração obsessivo com o qual esqueceu o passado.


Digo-vos que sei tudo mas não me levem a sério,

simplesmente porque leio, respiro, tenho olhos e tudo é igual

feito da mesma entidade indiferente a quem demos

poder para receber dádivas com capacidades sádicas de

aguentar mutiláveis terríveis desventuras e insistir e lutar

contra a incompreensão dos desígnios da sorte

inexistente; sei disso e desejo aquela inocência, o início do

desconhecimento da beleza que tanto magoou,

hipotecou o futuro nas chamas cujas chagas ainda sangram,

nada será igual agora que me ofereci como sou, quando

deixei mentiras apoderarem-se do ego para não perder o

que nunca serei, beijei uma ilusão, abraço fantasmas e

hoje tenho medo indiscrítivel de ser novamente rejeitado.


Só neste papiro desperdiçado, reciclável e comercializável

conheço a hirta honestidade, aqui nada humano tenho

a esconder e aquém elevei-me do espírito do reconhecimento,

ninguém lerá, nesta garrafa boiável não tenho nome, nem quero ser,

sempre aqui agi, dando prazer a quem não sente, sem sentir

falho de todas as formas metafísicas existentes e imaginárias;

sei que todos morrem e escrevem mesmo sem caneta, nunca

precisam de ninguém até terem alguém, a falta de toque humano

congela a pele e vai-se deteriorando a partir de dentro até

que nada conseguirá focar por prazer, só me rirei alto

para toda a gente ouvir a falsidade e exaltação da felicidade

destas redundâncias e oportunidades que desaparecem pelas

ruínas e catacumbas esquecidas nos olhares trocados e não retribuídos.


in foto-síntese 2003

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