quinta-feira, 27 de março de 2008

Serial-killer atípico

Tens um machado na mão esquerda. A tua mulher, a mulher com quem te casaste, está na cama a dormir. Ela não é culpada de nada do que te tem acontecido nos últimos anos. Para dizer a verdade, ela tem sido a tua maior segurança. Não a culpes, não a odeies em silêncio. Mais importante: não a castigues. Ela nunca te traiu, faz-te o jantar todos os dias, lava-te a roupa, deu-te três lindos filhos. Já reparaste que aqueles três miúdos que dormem no quarto do lado são teus filhos, sangue do teu sangue?

«Fruto do meu sémen.»

O telefone não tem tocado, o carteiro não tem trazido cartas, os livros não têm sido lidos. O pior de tudo tem sido a falta de leitura. Nenhum homem que tenha o vício dos livros se consegue afirmar totalmente sozinho. Gostas de ler, claro que sim. Chegas a despachar quatro e cinco livros por semana, ninguém quer duvidar disso. Os teus olhos apenas não se têm dignado a passar pela cultura. Sentes-te só.

«Sinto-me no lixo.»

Financeiramente, a vida não te poderia correr pior. Não tens dinheiro para pagar os empréstimos contraídos ao banco. Gostas de te vestir bem e, por conseguinte, costumas gastar muito dinheiro em roupa. E em comida, e em carros, e em viagens caras para o estrangeiro. Um doutoramento em ciências sociais não chega para tudo. Tens umas crianças com gostos luxuosos, tens uma mulher que se gosta de produzir para o marido. Tens os bolsos vazios.

No trabalho, não falas com muitas pessoas. Tentas evitar toda a gente. No entanto, não há dia em que consigas ir para casa de consciência tranquila, isto é, sem ter falado com ninguém. Um professor universitário pode debitar milhares de palavras sem precisar de entrar em diálogo com os alunos, mas não pode passar pelos colegas, pelos professores, sem soltar um sorriso, sem cumprimentar, sem falar da vida, dos problemas, do quotidiano. Não há a mínima possibilidade de não comunicar numa sociedade virada para a comunicação.

«Olá, como vai a colega?»

Bem se vê que pouco da tua vida corre como deveria. Mas hás-de reconhecer que um sujeito civilizado não se levanta às três da manhã para ir buscar um machado à garagem. E nenhum doutorado se põe a olhar para dentro do quarto onde dorme com vontade de partir tudo.

«Vou destruir a casa.»

Repara no seguinte: se partires tudo, se matares todos, ficarás ainda mais desgraçado e solitário. Pior: serás preso e condenado a longos anos de prisão.

«Serei preso pelo Homem mas salvo pela minha consciência.»

00:04

0 Comments: