Apreendido no aeroporto quando me revistaram.
o meu poema. o meu poema.
nada mais levaram.
ao menos levassem também os meus sessenta e cinco, quase sessenta e seis, anos de idade.
ao menos varressem, com todo aquele material técnico, a minha infância
e a sombra das minhas casotas.
Podiam até furtar-me o nascimento.
Que se fodesse.
Eles sabiam muito bem ao que vinham.
Quiçá tal acto tenha sido precedido de denúncia anónima
depois difundida, tímida ou amplamente - desconheço - , nos órgãos de comunicação social.
o meu poema. o meu poema continha o genoma poético,
era o poema dos poemas o meu poema!
continha os códigos e os caminhos secretos das palavras cruas,
e representava anos e anos
da mais completa solidão, do mais completo estudo
sobre o tempo que espera demais.
Pouco sabia o que fazer, cancelei o meu voo.
nos dias seguintes tentei sem sucesso
reproduzir aquela artilharia poética,
tentei refazer mentalmente os testes que conduziram àquelas palavras.
nada fazia sentido.
nada mais fazia sentido.
depois voltei a ligar o meu telefone
e a responder a algumas mensagens
e fiz até alguns telefonemas a familiares que viviam longe
e fiz dois amigos num minimercado perto de minha casa
e que hoje passarão cá um belo serão.
deixei de querer acumular todo o conhecimento
para viver em segurança
até porque, vistas bem as coisas, não disponho de outra vida.
quinta-feira, 27 de março de 2008
Genoma Poético
Colocado aqui mui gentilmente por Tiago Nené à(s) 04:15
Etiquetas: autores blogue das artes, autores língua portuguesa, autores portugueses, poesia, Tiago Nené
Subscribe to:
Enviar feedback (Atom)
0 Comments:
Post a Comment