sexta-feira, 7 de março de 2008

Quando cheguei a casa...

Quando cheguei a casa o meu porco Rosalina
estava a escrever à máquina. Fiquei num grande
estado de perplexidade e por isso perguntei o que
estás aí a fazer. Sem erguer a cabeça Rosalina
apontou com o chispe para o papel convidando-me a
ler. A folha estava em branco porque Rosalina tinha
retirado a fita da máquina para a enrolar
na sua encaracolada cauda que nesse momento agitava com
prazer. Rosalina foi sempre o que me impeliu
ao mergulho na metafísica. Por isso sem dizer nada
dirigi-me para a cozinha. Abri a gaveta dos talhe-
res. Tirei a grande faca do estojo do trinchante.
Acendi o lume e pus a grelha a aquecer. Dirigi-me
de novo para o escritório onde Rosalina escrevia à
máquina. Cortei-lhe algumas febras do lombo. O
suficiente para uma bela refeição. Cortei também
um pedaço de fita para enfeitar a travessa.


(Ana Hatherly)in «39 Tisanas», 1969

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