quinta-feira, 6 de março de 2008

Os Crimes dos Outros

Numa altura em que praticamente não havia bens materiais, ele era um indivíduo avulso da Classe B. Antes de se poder interpretar cada frase que dizia, era necessário interpretá-lo a ele. Só os indivíduos da Classe A tinham legitimidade para fazer tal tipo de interpretação (assim ditavam umas quaisquer leis orais).
Os da Classe C, entre eles e em segredo, faziam interpretações clandestinas dos indívíduos das Classes A e B. Os da Classe A, incomodados, infiltraram alguns elementos nas tertúlias da Classe C a fim de alterarem este estado de coisas que, segundo eles, era danoso para a saúde das relações entre pessoas que nasceram e cresceram diferentes.
Já os da Classe B era gente que não se reunia porque das duas uma: ou eram pessoas de razão individual, ou viviam numa qualquer surrealidade. De todo o modo, a moral desta história até aqui diz-nos que só as classes que se encontravam nos extremos, A e C portanto, é que se achavam presas a doutrinas e opiniões. Os da Classe A em razão do berço, os da Classe C em razão da proibição social.
Muito tempo depois, os indivíduos da Classe B eram muito poucos, em virtude da sua natureza fechada. Por isso, a mentalidade teve de mudar e a solução foi agregarem-se à Classe C. A influência foi tão grande que os da nova classe, a que chamaremos por conveniência Classe BC, jamais emitiriam opiniões acerca da Classe A. Esta, achando-se sozinha, baixou um nível e já se encontrava próximo do que fora a extinta Classe B. Depois, passando pelo mesmo problema que passara a extinta Classe B, agregou-se, aos poucos, na Classe BC. Poderia chamar-lhe de Classe ABC mas dar-lhei o nome de Classe Única. Aquela sociedade acabara de dar a si mesma a liberdade. Pouco tempo depois, e devido à falta de união da Classe Única, mormente e inclusive devido à falta de discussão e de ideias políticas que levasse, não só mas também, à criação de um exército, ainda que mínimo, este simpático povo desta aldeia asiática fora engolido por uma sociedade maior, mais evoluída e consciente do que era o mundo. Quando isso estava a acontecer, a Classe Única tripartiu-se, e as
Classes A, B e C estavam de novo em vigor. Houve até famílias, entretanto formadas com membros das três classes primitivas, que se separaram, e algumas crianças foram levadas para muito longe e dadas à adopção. Uma delas era eu, um famoso criminoso reformado, escrevendo a sua biografia numa entrada da Wikipédia, utilizando apenas, para o efeito, os crimes dos outros.

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