texto datado de há cerca de 2/3 anos atrás...
“É mais uma história mal contada.” O comboio faz-se ouvir de perto, fecha a revista, joga-a em cima das outras espalhadas por de cima da mesa quadrada. Enquanto que volta a olhar para o relógio de pulso.Suspira. Alto. Devastadoramente. Está nervoso. O tempo está a escoar rapidamente. E tudo lhe é visível. Mexe e remexe-se na cadeira. Fixa o chão. Fixa o tecto. Fixa os lados. E o olho descai-lhe para o cenário urbano escuro e vazio da janela. Falta pouco para as quatro da manhã.E olha para ela. A mulher objecta. E se metesse conversa, com ela? Ela, a mulher objecta. Passar o tempo…, a espera, o ócio. Breve.Sentada de perna cruzada com o olhar caído e disperso num livro. A mulher objecta, não pestaneja. Em vez disso vira as páginas que funcionam como contador de compasso de tempo aleatório. Substituição dos ponteiros monótonos, insípidos. Vira. Pára. Vira. Pára. Vira. Vira e volta a parar. Ele gosta desse ligeiro ruído. Gosta da lentidão sonora com que a mulher objecta vira as folhas. O aroma que o papel dispersa pela sala de espera. Dói-lhe o dente.Fica ali, estático. Enfim. Parado a olhar para a mulher objecta. Para os dedos finos e brancos. A concentração fixa na ponta do seu nariz inclinado.“É Bonita.” Concluiu. E sorri feliz. Pateta. A mulher objecta, leva as pontas dos dedos aos lábios secos e humedece-os. Vira uma nova página em câmara lenta. Entre as pernas, ele, sente um ligeiro inchaço. Uma erecção. E apaga o sorriso inconsciente do rosto.A mulher objecta, fecha o livro. Paf! Olha para ele. Baixa os olhos e diz: “O senhor tem a braguilha aberta.” E volta a abrir o livro mas desconcentra toda a atmosfera rindo-se. E ri. Ri muito. Muito e alto. Estonteantemente.Sente a cara a inchar de vermelho. Tapa o volume com ambas as mãos e levanta-se num falso passo que o faz cair infinitamente num abismo que o faz acordar.“Que horas são?” Pergunta a mulher objecta. Ele olha para o pulso: “Ainda temos meia hora.” A mulher objecta levanta-se. Aproxima-se dele e devolve-lhe o livro. E dirige-se à única porta existente na sala de espera. Bate duas vezes. Ninguém abre. Ninguém responde. “Mais uma história muito mal contada” diz a mulher objecta.“Pois é.” Concorda. “Mas sou eu que pago. Por isso, volta a sentar no teu lugar e continua a fazer o que estavas a fazer”, e estende-lhe de novo o livro. Como da primeira vez. Ela aceita-o de volta com o olho sempre fixe na maçaneta da única porta existente da sala de espera.
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