quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

sabendo que teria de fazer algo pela minha vida, estudar, arranjar um primeiro emprego, casar, ter filhos, um segundo emprego melhor, dedicar-me a uma especialidade, estudar, ganhar mais dinheiro, ser respeitado, requisitado. (…) as expectativas do meu pai (…) o meu pai tinha uma única exigência. Tirássemos um curso superior e depois podíamos fazer o que quiséssemos.

(…) tirar um curso para a vida não nos apanhar desprevenidos, para termos hipótese no chamado mercado de trabalho, para podermos arranjar tranquilamente o primeiro emprego, seguido do segundo emprego mais bem pago, para alcançarmos reputação, casar, ter filhos. Este plano foi afinal a única exigência do meu pai (…) Mas neste plano aparentemente simples está a vida toda, já viu. Ou melhor seria se estivesse. Porque me parece que cumpri tudo e não sei agora para onde ir, não me deixou instruções para depois.

Rodrigo Guedes de Carvalho, in A Casa Quieta.

Acho que é por isto, que eu no fundo, mesmo querendo muito ter uma relação séria, as evito, ... com O MEDO, de realizar todas as ‘’tarefas’’ que me foram exigidas à nascença, e assim, a minha vida já foi. Já está vivida, e depois não tenho instruções para mais…

E no fundo quero adiar uma série de coisas e viver todas as pequeninas que puder, em quantidade, qualidade e variedade,…. Não sei se me estou a fazer entender…

E vivo esta angústia muitos dias, e muitas noites: o querer já realizar mil sonhos e desejos que tenho e sinto, mas saber que ao fazê-lo: JÁ FOI. JÁ ESTÁ. JÁ PASSOU. JÁ ACABOU.

JÁ ESTOU MAIS PERTO DO FIM.

E FOI ISTO: A MINHA VIDA.

Não sei se fui clara….

Carla Veríssimo, in Her Own Life….

O meu pai (…) esmagou-nos desde sempre com uma terrível ameaça.

A ideia de que iria morrer. Um dia iria morrer e não estaria mais aqui para tomar conta de nós. (…) Detestaria não me estar a fazer entender

Será que me entende

tão simplesmente o meu pai achou que nos querer bem seria prepararmo-nos todos os dias para o momento em que já não o tivéssemos (…)

Daí o curso superior, daí o casamento, os filhos, os empregos sucessivos, a conta no banco, a poupança, a ideia formigueira de que temos de nos apressar a ficar prontos

Estamos prontos pai já pode morrer

(…)

Exigência e orgulho (…) Guiaram toda a vida o meu pai. Exigia que fizéssemos assim. Para se poder orgulhar de termos feito assim.

(…)

o doutor (…) Permita só, antes de me questionar sobre a minha infância, sobre os meus sonhos e pesadelos, de me interrogar sobre a minha vida sexual

Satisfatória assim assim uma anedota

de me inquirir se senti que o meu pai projectava em mim as suas ambições, se sinto que projecto as minhas nos meus filhos, e em consequência andamos todos a viver as vidas uns dos outros, (…)

passei pois dos quarenta, fiz tudo o que o meu pai exigiu, o que penso espero o deixe orgulhoso, tenho filhos, esposa, emprego de reputação, profissão liberal, sou dos melhores no meu ramo, fui dos melhores no meu ramo, mas não consigo deixar de pensar, doutor, que a meio da vida já fiz o que tinha de fazer, o que era suposto fazer

Pode morrer em paz pai

que faço agora com o que me resta, ninguém me preparou, daí talvez buscar respostas, ...

Rodrigo Guedes de Carvalho, in A Casa Quieta.

1 Comment:

Joaquim Alves said...

Absurda ou nem tanto, eis a realidade.
Mais estúpida do que queríamos, talvez um pouco menos do que pensamos, mas realidade.
Vá lá saber-se onde começa e onde acaba. Uma e outra. As duas. Tudo.
Para todos os efeitos, vale a pena tentar. Sempre. Sem nunca encontrarmos todas as respostas.