segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Nota sobre coragem

Inexperiente, tímido, um homem recém-chegado ao mundo da política não sabia o que dizer no parlamento perante uma multidão. Por esse motivo, permanecia calado no seu lugar, como se com isso a humanidade se fosse esquecer da sua existência e não o chamasse. Com uma mão, o homem tapava a sua cara corada, com a outra, aplicava pequenos murros no joelho para aplacar os nervos. «Quem me dera ir para casa comer bolachas e ver televisão com a minha mãe», passou-lhe pela cabeça. «Quem me dera desaparecer neste preciso momento.» O dia parecia-lhe quente. Sentia a gravata a apertar-lhe a garganta de uma forma que nunca antes sentira. Não sabia da caneta de feltro que a namorada lhe oferecera para a estreia no mundo da política. Procurou nos bolsos das calças. Vazios. Olhou para o chão. Lá estava a caneta. «E se trocasse de lugar com a caneta?» O homem tinha tanta vergonha acumulada dentro dele que preferia morrer do que falar perante umas dezenas de pessoas. Sentia o coração a bater freneticamente. Os minutos iam passando. Apetecia-lhe fugir. «Meu Deus, o que fui fazer?» O homem estava a exagerar. O caso não era para tanto. Pelo menos uma vez na vida, toda a gente se vê obrigada a passar da fase da vergonha para a da idade adulta (leia-se idade em que já pouco importa sentir as bochechas coradas). O homem sabia que estava a dramatizar demasiado a situação.

Começou a escrever numa folha: «Quando chegar o momento de subires ao palco para te defenderes perante o mundo, sentirás um medo que, numa primeira fase, te surgirá sob a forma de um pequeno arrepio no estômago, depois, como elemento impeditivo de qualquer acção. Não conseguirás andar, falar ou sorrir. Olhando para ti, as pessoas repararão na tua testa suada. Porém, apesar desse medo de dimensões apocalípticas que te invadirá durante largos momentos, conseguirás caminhar por cima do mar de crocodilos que te deseja morder. E falarás. Com ou sem a voz a tremer, todos saberão que tens ideias e que as consegues exprimir de modo convincente. És um indivíduo dotado de inteligência. Acredita nisso, precisas de acreditar. Sê homem para ti mesmo.»

Depois de assinar com o nome de Consciência, o homem parou de escrever, puxou do seu sorriso mais confiante e colou-o nos lábios. «Estou preparado», pensou. Mas não estava. Quando se preparava para falar, o homem reparou que todos os seus colegas partidários e não-partidários riam dele. Tinha uma grande mancha de urina nas calças.

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