terça-feira, 6 de novembro de 2007

Promessa incerta

Cobiço-te com a avidez com que um demente esbofeteia a sombra espectral que o atormenta. Procuro-te na imensidão absoluta das saudades, desenhando o teu rosto nas águas ferinas, até soçobrar na espiral do sufoco. Abre-se um sepulcro nos pulmões, órfãos do ar que te espolio, quando, vogando sobre a tua língua, sugo o teu sopro vital. E aí és minha. Minha. E pedes clemência, esmagando-me os lábios que te sitiam, sustendo a língua que te desbrava e a boca que te inspira. Mas não te dou tréguas, porque alimento-me dos despojos que o sonho abandona quando me entorpece, e resfolgo porque o meu tempo perece. Tenho uma fome voraz de sonhos, uma fome cósmica de ti.

Passei a vida a construir-te, reunindo partículas incandescentes, avulsas, que derreteram no meu peito quando acordava, doido e herético, para te ver o rosto sagrado. Urdi, poro por poro, a tua perfeição, mas esgotou-se-me o fio quando ponteava o pórtico côncavo do teu queixo. Os anos decorriam, o meu tempo corria sobre o teu corpo abismal, e lançava-se, suicida, no vazio do teu rosto, estilhaçando-se nos teus olhos, em lágrimas. No dia em que te finalizei, descobrindo-te os olhos, perguntei por que choravas. Hoje, sei que choravas o tempo que durou o nosso desencontro.

Por que choras quando sorris? E porque sorris quando choras? Diz-me por que, em cada colisão sísmica dos nossos corpos, sorris a chorar, ou choras a sorrir. Corrói-te a fatalidade do fim, e revigora-te a esperança de eternidade? Sabes disso, quando me cercas com uma força lesiva, num abraço dúbio de para sempre adeus?

“Adeus A Deus Para sempre.”

Rezas sempre a prece
Do amor na minha boca.
Quero mais - é tão pouco! -
Desses beijos que quase mordo.


Tudo, então, acontece,
Sob a nossa mudez rouca,
E no divã do afã louco,
Nossos corpos em desacordo…

Hoje, que és em mim o perfeito acabamento da imperfeição, dedico-me a desconstruir-te. Poro por poro, inscrevo-te, em letras gasosas, na memória atemporal do Universo. Nela, és a habitante do meu silêncio, a candeia que apaga a minha cegueira, o germe da realidade na quimera táctil do céu, a promessa incerta de uma certeza que ninguém prometeu.

Vivemos, juntos, em tempos diferentes. Tu, agora, já és amanhã, e eu galopo sobre o fuso horário para amparar o teu sono, quando cair, no meu futuro. Vamos ser futuro sem passado, na tua pureza de criança. Todos os dias, recupero o azul do mar que me banhava os olhos, na época em que te iniciava.

Vítor Sousa
(Estranho Estrangeiro, por Terras de Vera Cruz)

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