Acordo ainda com sono, enterrada nos lençóis, como uma lagarta encasulada ou uma múmia no sarcófago, sem a menor disposição para engolir o mundo. Não quero que descerrem as cortinas, ainda não! Não quero que o jacto de luz solar verta pela janela e arranque dos meus olhos a pouca escuridão que lhes resta. Como as noites e o escuro me escondem e protegem, aqui no meu quarto, no meu refúgio para descansar da felicidade e da loucura, curar a tristeza, ao fechar a porta e cerrar as cortinas num silêncio imenso.
Fico muda por alguns minutos, sem vontade nenhuma de me levantar, reparo várias vezes nas horas marcadas com números vermelhos no relógio em cima da mesinha de cabeceira, como se o tempo e os minutos fossem um alerta constante do meu sossego, do meu relaxe e da minha existência; olho para as paredes, vejo se há teias de aranha; observo as partículas de pó sobre os móveis; conto as gavetas da cómoda; e espreguiço-me então, conformada que o dia começou e que tenho de o acompanhar, ainda que me seja difícil amá-lo e tornar o seu espírito único.
Há uma aranha num canto do tecto, pequena e transparente, inofensiva e muito bela. A aranha e a sua teia parecem-me indicar o que de mais belo posso realmente ter no meu quarto, mesmo sabendo que a colcha e os lençóis da cama são requintados e de bom fabrico, e que a tela colorida exposta na parede, por de cima da cama, tem um grande valor artístico e sentimental. Prefiro apreciar aquela teia tímida e discreta com a sua aranha que se hospedou no meu quarto sem autorização. Tão subtil é a sua sobrevivência.
Volto a fitar os números vermelhos do relógio, emito um grunhido, e entrego-me na tolerância de cinco, dez minutos, talvez. Conto novamente as gavetas da cómoda, desta vez de baixo para cima. São cinco gavetas ao todo, três grossas e fundas, duas pequenas e estreitas. E começo a abri-las mentalmente por querer saber o que lá tenho arrumado, como se não soubesse ou não me lembrasse, como se me apetecesse, de repente, tocar e cheirar as roupas e os objectos que ali permanecem desde que foram fechados pela última vez.
Entre cada uma das gavetas há um espaço oco que ocupa um vasto espaço, uma espécie de memória, e não sei o que fazer com as lembranças, nem com as gavetas, nem com os minutos que passam, nem com o dia que me acordou. Simplesmente não sei o que fazer com o mundo que insiste em ser real.
1 Comment:
Quantas, mas quantas vezes não sabemos simplesmente ser...
É nesses momentos que apreciamos aquilo que habitualmente nos passa despercebido. Isto porque queremos mais...queremos viver com outro gosto, outro ânimo. E talvez só procurando os encontremos.
Gostei muito.
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