segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A carta anónima

Esta manhã, ao levantar-me, deparei com a seguinte mensagem, junto à porta, escrita com palavras recortadas de jornais e coladas num pedaço de papel: «/ milhões / anjinhos / visitaram / capataz / Bicicleta / servida / em saquinhos /».

Enigmática como é, não lhe liguei grande importância. Teria sido, com certeza, composta por algum grupo de miúdos desocupados tentando divertir-se à custa dum vizinho. Espreitei pela janela do quarto a ver se descortinava os malandrinhos alapados por detrás de algum arbusto. Ninguém. Atravessei o corredor e espreitei pela janela da sala. A rua estava deserta, ou antes, com os esporádicos passantes habituais. Nem sombra dos catraios.

Sentei-me no sofá e atentei melhor neste conjunto de palavras alinhadas no papel. Seria algo a levar a sério? Ná! Parecia tão desconexo, sobretudo a segunda frase.
De repente, um sobressalto. Pareceu-me detectar uma ameaça, velada mas grave. «Anjinhos» remete abertamente para a outra vida, ou antes, a morte. E uma bicicleta retalhada em pedaços e entregue em saquinhos pareceu-me uma ameaça típica da Máfia.
Senti-me empalidecer.

O tempo do verbo na primeira frase – «visitaram» – fez-me temer por uma intrusão já realizada. Levantei-me de um salto e vistoriei a casa. Tudo em ordem. Aparentemente. Espreitei para o quintal. O cão também estava vivo e de boa saúde. Estava entretido a remexer a terra. Nada parecia indicar que alguém tivesse entrado enquanto eu dormia. Aliás, o cão teria dado sinal.

Parei a admirar o seu dinamismo. Havia alguma coisa de estranho na maneira como se movimentava. Talvez a sua atitude furtiva. Observei-o melhor.
Foi então que percebi que a azáfama em que estava empenhado tinha por objectivo enterrar vários pedaços de jornal, uma tesoura e um tubo de cola!

[Publicado no blogue Universos Assimétricos]

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