terça-feira, 21 de outubro de 2008

O fundo da gaveta

James Burn era um detective peculiar: só tratava de casos já julgados, cujo veredicto tinha ditado a pena de morte. Mantinha um vasto ficheiro de pastas que consultava regularmente. Quando, por acaso de circunstância, ou por intervenção de familiares dos condenados lhe chegava alguma pista extra, passava o caso para os pendentes, e, a partir daí, seguia a nova pista com minúcia e perseverança até a esgotar. Às vezes, a pista dava em nada, noutras, chegava a conseguir a reapreciação do caso, e várias vezes a libertação dum inocente.
Eram esses casos que o enchiam de orgulho e, como outros admiram o diploma emoldurado na parede, ele, todas as manhãs, folheava as pastas dos casos resolvidos: o caso do adolescente que fora condenado por violação e morte da namorada, mas que afinal tinha sido obra do padrasto; o caso do negro que morreria daí a dois dias, quando a sua investigação provou que ele estava longe do local no momento do crime; e mais uma meia-dúzia de outros casos.
No fundo da gaveta estavam os dois que ditariam a libertação dos inocentes, mas que, infelizmente, foram resolvidos tarde demais para os condenados. A pena de morte antecipara-se. Quando tinha coragem para os folhear, invariavelmente, abria também a última gaveta da direita da escrivaninha donde retirava uma garrafa de Jack Daniels.

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