sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Nenhum, nada, zero



As têmporas inchadas, as veias a quererem ultrapassar os limites da pele, a testa franzida, enrugada, engelhada, velha, estúpida, podre. A dor na cabeça que não pára de crescer, os olhos a diminuírem. Os ossos que vão estalar, o maxilar deslocado, o nervo do dente que foi atingido pelo relâmpago e que precisa de desvitalização. O crânio que parece apertado pelo crescimento de um cérebro oco, vazio, fútil. O adjectivo na frase necessitada de algo mais compacto e substancial. A dor, os diferentes tipos de dor. O orgasmo que magoa e que simultaneamente dá prazer. O murro no estômago que faz chorar. A dor tem diferentes registos. Muda de pessoa para pessoa, de contexto para contexto, de segundo para segundo. Enterrar um prego no pé não é, certamente, receber um pénis de proporções inimagináveis num dos orifícios do corpo. Partir uma perna não é ganhar uma prova de atletismo com os pulmões esgotados. A mesma dor varia. Numa guerra, dois homens que levaram o tiro na mesma parte do braço poderão ter reacções diferentes: basta um ganhar e outro perder a guerra para tudo mudar. Aquele que consome droga por desgosto não sofre do mesmo modo no momento de se injectar e no momento da ressaca. Tudo muda, tudo se altera, tudo se agudiza, tudo desaparece. O desaparecimento. Haverá palavra mais importante para o ser humano? Nascer, crescer, atingir um metro e oitenta de altura, noventa quilos de peso e, no fim, acabar dentro de um frasco cheio de cinzas, sinal de memória para os que ficam. Ser herói, liderar a cruzada, a revolução, o golpe de estado, levar com o machado nas costas, acabar deitado dentro de uma caixa de madeira com as carpideiras a servirem de pano de fundo. O rasgar de pano nos ouvidos. A esposa a beijar os lábios de um homem que não o marido. Acertar com o martelo no polegar, deixando o prego ileso. A agulha nos olhos do pardal. Ficar sozinho, estar sozinho, andar sozinho, traído, abandonado, despojado de tudo, não fazer sentido, nenhum sentido possível, e abandonar tudo, sair do barco vazio e cair no mar à espera que o destino decida se a morte chegará ou não. Partir para uma realidade diferente da actual e ser feliz, feliz com o que não existe, com a imaginação, com as plantas, com os anos verdes, com a dama, com a rainha, com o cofre do dinheiro. O sono, a vontade de dormir, o começo de final, de escuridão, de treva, de inferno.

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