sexta-feira, 6 de junho de 2008

Cândido

Adam tinha um sol chamado Eva. Um dia, esse sol desapareceu. O rapaz, não sendo dotado de um forte instinto de sobrevivência, deitou-se na cama à espera da morte. Chorou, chorou, chorou. Quando a falta de vontade para tudo desapareceu-lhe do corpo, pensou: «Vou matar-me.»

Haviam-se passado dois meses desde que uma rapariga sem sentimentos dissera a um pobre rapaz para desaparecer, que já metia nojo. Sessenta e um dias. Oito semanas. Tempo suficiente para coisas como o sofrimento, a dor, a diversão, o prazer, a solidão, a alegria ou o sexo. Tempo para uma pessoa se esquecer da existência de outra. Não sendo propriamente idiota, Adam estava certo de que Eva não deveria ter perdido muitos minutos a sofrer por ele. Contudo, como no jogo dos sentimentos nem sempre entra a razão, o homem não conseguia parar de pensar que a sua relação com a dona do pecado poderia ser reatada. Sentado no sofá a ler o jornal, a ver televisão, na escola a dar aulas às crianças, nas esplanadas dos cafés a observar os pombos, Adam não conseguia deixar de pensar em Eva.

Uma página do diário do sofredor: Eva, querida Eva, para onde foste? Para que lado do labirinto desapareceste? Preciso de te ver, nem que para isso te faça sofrer, sentir dor. Os meus olhos necessitam de se cruzar com os teus. Não sabes o que é não estar contigo. O não sentir o teu cheiro, a tua voz. O não ouvir a forma como pronunciavas mal certas palavras. Até o modo como me desprezavas me faz falta. Sabes, não me sinto muito apegado à vida. É verdade. Isto de acordar todos os dias irrita-me, incomoda-me. Por vezes, dou por mim a partir candeeiros, a dar pontapés nas portas. Todos os dias penso em ti, minha dama, minha senhorita. Todos os dias choro por estar sozinho, por me ver obrigado a cumprimentar pessoas na rua, por ficar preso no trânsito, por me perder na multidão. Nunca te vejo, Eva. Sabes o que é não te ver? Um rio.


Em pequeno, Adam sonhava com grandes profissões, com grandes ordenados, com grandes mulheres. Não punha a hipótese de vir a sofrer, de não ter trabalho, nem dinheiro. Os pais mimavam-no. Davam-lhe tudo o que pedia. Fizeram mal: não o prepararam para o mal, para as trevas, para o escuro. Não o prepararam para sofrer muito todos os dias. Quando o pai morreu, o rapaz pensou que o mundo lhe cairia em cima. Nunca até aí desconfiara que o ser humano poderia ser dotado de uma grande capacidade de chorar, ao ponto de quase se afogar. Em pequeno, Adam brincava com bonecos de borracha e sonhava com inocentes beijos de mentol. Não conhecia um nome de três letras. Não sabia que nem sempre uma ida implicava um regresso. Olhava para as pétalas das flores e suspirava, porque tinha a certeza de que o futuro lhe reservava momentos perfeitos.

Sessenta e um dias após ter sido abandonado pela princesa dos seus sonhos, Adam pegou numa faca e cortou os pulsos.

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