domingo, 3 de fevereiro de 2008

O rasto

«Perdi-te o rasto», leu numa página de jornal, e engasgou-se com o café a escaldar que tentava engolir apressadamente. Voltou a ler. Tanto tempo após a última noite em que sofrera de amor, voltou a sentir um arrepio na barriga. «Perdi-te o rasto», sussurrou. A mulher e os filhos ouviram-no. «O que foi isso?», perguntaram. «Nada», respondeu. Mas repetiu a frase inúmeras vezes. Até que toda a gente naquela casa se conseguiu aperceber de que o chefe da família estava a sofrer de uma dor obsessiva, concentrada, melancólica. «Estás a pensar em quem?», perguntou-lhe a mulher, sabendo embora que nada de substancial poderia sair da boca do marido. «Não estou a pensar em nada. Achei esta notícia curiosa.» Mas a mulher ficou com o bicho atrás da orelha. «E a notícia é sobre quê?», questionou. «Sobre o amor», respondeu o marido. «Parece-me que a notícia se refere a um crime qualquer. Não me estarás a mentir?». O que queria a mulher que o seu homem respondesse? Que sim, que estava a mentir, que estava a sofrer por uma mulher que não via há muitos anos? «Perdi-te o rasto.»

0 Comments: