quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O Papa-jornais


Na minha rua existe uma personagem singular – um comedor de jornais. Devora todos os que encontra, quer os que são abandonados nas mesas do café, quer os que o vento empurra rua fora. Uma vez por outra, já o vi debruçado pela abertura do Papelão.
Como seria de esperar, está sempre bem informado, quer das notícias do dia, quer das de véspera que já todos esqueceram. Também por isso é motivo de falatório na rua. Estranham-lhe a bizarria – dizem.

A mulher que salga sempre a comida inveja-lhe a memória. O rapaz que sonha com pescarias no tanque do fontanário diz que ele assusta os peixes com a sua maneira ruidosa de mastigar. As primas que plantam jacintos nos charcos da calçada dizem que ele nem pensa na floresta. O oriental, de cujo livro, que lê constantemente, saem, de vez em quando, pétalas coloridas, olha-o de lado com desconfiança.

Tão grande mal-estar desapareceu, hoje, milagrosamente. Quando, esta manhã, saí à rua para comprar pevides de melão, as conversas giravam à volta dele. Todos asseveravam a bondade do Papa-jornais, que, afinal, não era assim tão esquisito, e que a sua preferência gastronómica até era útil para o asseio do bairro. E lamentavam-no com lágrimas nos olhos. Parece que morreu ontem de uma indigestão de Destak’s.

[Publicado no blogue Universos Assimétricos]

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