"Autor - Falar sobre música? Parece-lhe que isso possa oferecer algum interesse? Há tantas outras coisas a solicitar, a mobilizar a atenção e o entusiasmo do público... A música! Isso é velharia, uma caturrice, uma maçada nestes tempos dinâmicos do desporto, da investigação atómica e das reportagens jornalísticas fulminantes.
Jornalista - Mas então considera possível desconhecer o valor da música no conjunto das artes e, mais genericamente no plano da cultura?
Autor - Lá possível é. Repare que para muitíssima gente, certamente para a maioria das pessoas, a música não é uma arte, mas um pretexto para se saracotearem, um narcótico para adormecerem os seus desastres sentimentais, uma maneira fácil e irresponsável de passarem o tempo depois de uma digestão bem feita, ou mesmo para auxiliar esta. (...) na vertigem de uma vida toda dirigida para a usufruição dos prazeres fáceis, para a conquista dos êxitos imediatos, sejam eles de que ordem for. Como pode haver, nesta febre, nesta excitação vã de uma sociedade que se mostra incapaz de um esforço sério de concentração, lugar para uma arte que exige, mais do que nenhuma outra, o afinamento dos sentidos, a calma do espírito, a elevação do intelecto?
Jornalista - Julga, neste caso, que a música não é em Portugal devidamente estimada?
Autor - Creio que nunca o foi. Mas creio também que esta nossa, parece que congénita, desafeição pela música atinge, nos dias que correm, proporções confrangedoras."
Fernando Lopes Graça in A MÚSICA PORTUGUESA E OS SEUS PROBLEMAS III, 1973
(Publicado originalmente em art&manha)
Jornalista - Mas então considera possível desconhecer o valor da música no conjunto das artes e, mais genericamente no plano da cultura?
Autor - Lá possível é. Repare que para muitíssima gente, certamente para a maioria das pessoas, a música não é uma arte, mas um pretexto para se saracotearem, um narcótico para adormecerem os seus desastres sentimentais, uma maneira fácil e irresponsável de passarem o tempo depois de uma digestão bem feita, ou mesmo para auxiliar esta. (...) na vertigem de uma vida toda dirigida para a usufruição dos prazeres fáceis, para a conquista dos êxitos imediatos, sejam eles de que ordem for. Como pode haver, nesta febre, nesta excitação vã de uma sociedade que se mostra incapaz de um esforço sério de concentração, lugar para uma arte que exige, mais do que nenhuma outra, o afinamento dos sentidos, a calma do espírito, a elevação do intelecto?
Jornalista - Julga, neste caso, que a música não é em Portugal devidamente estimada?
Autor - Creio que nunca o foi. Mas creio também que esta nossa, parece que congénita, desafeição pela música atinge, nos dias que correm, proporções confrangedoras."
Fernando Lopes Graça in A MÚSICA PORTUGUESA E OS SEUS PROBLEMAS III, 1973
(Publicado originalmente em art&manha)
1 Comment:
Devidamente ostracizado em vida... um dos grandes vultos da humanidade... só um ser acima do normal responde com toda esta propriedade e 30 e tal anos depois apesar da liberdade pouca é a diferença, pelo menos na divulgação porque talentos há e muitos! Tiveram o azar de nascer portugueses e sem cheta... e mesmo assim muitos vencem! Sigamos esses exemplos que de velhos do Restelo está isto cheio!
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