domingo, 4 de novembro de 2007

Lábios que não se dão

(Ajuda-me. Ouves-me? Estou dentro de um pesadelo labiríntico, e as frinchas da redenção estão atapetadas pelas lágrimas que te esqueceste de verter. Pelos corredores do meu tormento serpenteiam vultos de corpos. São os nossos, que se amam na sombra e vivem nas promessas vivas de certezas mortas.)


Perseguem-me quando sonho contigo. Por vezes, assassinam-me. Se consigo fugir, escondo-me em cada espasmo, e neles guardo vestígios teus. Regressas-me poucas vezes, furtiva, flamejante, nas cápsulas assépticas onde te preservo. Parto-as e bebo-te no copo partido com que sangro, todos os dias, os lábios que não se dão.



A tua voz. Resgato-a, entrincheirada na inércia, e ouço-te ricochetear nas paredes dos atavismos. Todo o meu corpo entoa a sintonia muda do teu nome absoluto.

(Ouves-me? Ajuda-me. Evadi-me ao pesadelo, mas aterroriza-me a realidade da tua ausência.)


Lembras-te daquela noite em que te semeei, trepadeira, nas escarpas infindas dos meus devaneios, para que crescesses e te encontrasses, mulher de pontas soltas, em mim? Porque só em mim te completas. Podes ir, mas longe de mim, truncas-te, porque te falta o verbo que te compôs, assim, divina. Os verbos dos outros são sinónimos bastardos dos meus.

(Todos os dias, visito os teus beijos no exílio. Mandam-te os beijos que só existem nos meus.)


“Na tua boca, o tempo voltou atrás, e se foi louca essa loucura, essa loucura foi paz”

Vítor Sousa
(Estranho Estrangeiro, por Terras de Vera Cruz)

2 Comments:

Anónimo said...

O desejo, o amor, a paixão...sentimentos que conjugados são furtivamente explosivos.
Não podemos controlá-los, ou, pelo menos, não devemos.
Mas...e quando estes nos fogem à compreensão? O peito dói e o corpo não reage...
Custa admitir que somos dependentes do que nos sabe bem...mas custa ainda mais sentirmos que essa dependência nunca se saceia.

Um beijo

Andreia said...

Muito, muito, muito bom! :)

Bj. *