terça-feira, 6 de novembro de 2007

A guerreira em mim

Ontem fui ao cinema ver um filme cujo trailer muito me atraiu e cujo atestado de qualidade me foi dado por um amigo que “sabe da coisa”. Só pela versão portuguesa do filme eu certamente que não o veria, “A Estranha em Mim” parece mais o título dum romance lamechas, daqueles que se lê para ocupar o tempo livre inutilmente (sem apreender nada) do que o filmaço que realmente é, e que filme meus senhores e meninas.

Tenho sempre um certo receio em escrever crítica cinéfila, primeiro porque não é a minha especialidade e segundo porque nunca sei ao certo quando parar, ainda vos estrago o visionamento do filme com pormenores que devem ser degustados no seu lugar próprio: na sala de cinema.

Ora bem, comprometendo-me já a não contar o fim do filme (embora o visionamento das séries CSI eliminem um pouco a magia deste filme) vou iniciar a minha crítica (ou recensão) do mesmo:

O filme tem a substância que vende filmes: tem algum sexo (mas com muito bom gosto, algo a que Hollywood nos habitua cada vez menos), violência quanto baste (alguma bastante gráfica), e pronto, fora isso, pareceu-me completamente politicamente incorrecto, Erica Bain (brilhantemente interpretada por Jodie Foster) tem um programa de rádio e ama a cidade (Nova Iorque) em que vive, passa os dias a passear-se pela cidade, a gravar os sons que ouve e a partilhar tudo o que belo e feio consegue observar na sua cidade, que sente mesmo como sua.

Em vésperas do seu casamento com David Kirmani (interpretado por Naveen Andrews, que todos conhecerão do Perdidos), no decorrer dum simpático e romântico passeio pelo parque o casal é brutalmente assaltado por um trio de marginais, o resultado são três meses de coma para Erica e a morte de David.

Tudo muda ( e só então compreendi que o título português até está muito bem conseguido, embora nada a ver com o original The Brave One), Erica mas a cidade que outrora amara agora mete-lhe medo, impressiona-se com o mundo urbano, o modo como as pessoas têm medo da noite, mulheres têm medo de ir para casa sozinhas, pessoas têm medo de pessoas… “Nunca compreendi como se consegue viver com medo…” revela a mesma no seu programa. Para se sentir (artificialmente) mais segura, Erica compra uma arma, e é a partir daqui que o enredo anima.

Casualmente, enquanto se encontrava a fazer compras numa loja de conveniência, presencia um episódio de violência que culmina com o assassínio duma esposa pelo seu próprio marido e que, notando a presença de Erica na loja, parte em busca dela de arma na mão. Resultado: Erica dispara primeiro, matando o criminoso.

A partir daqui Erica começa a bater as ruas de noite, a fazer aquilo que a polícia não pode fazer, os jornais enchem as primeiras páginas com relatos de um vigilante que executa criminosos violentos nas noites de Nova Iorque, a personagem – que todos acreditam ser um homem – torna-se num mito, odiado por uns mais humanistas que discordam que alguém se considere no direito de julgar e matar, mas – e em muito maior número – este novo vigilante consegue suscitar uma onda de apoio popular que preocupa o status quo: aparentemente ninguém se importa, e uma ampla maioria da população até gosta, que os criminosos violentos sejam abatidos nas ruas por algum justiceiro.

“Imagina que um José Povinho tinha decidido que já tinha aturado o suficiente, uma pessoa perfeitamente normal que nem notemos, e decide começar a fazer justiça pelas suas próprias mãos”, nas palavras do detective Sean Mercer (Terrence Howard), encarregue dos casos do vigilante.

Um filme pelo qual me apaixonei, de recordar o diálogo com um polícia que a interroga depois de recuperar do coma:

Polícia: “Nós estamos do seu lado.”

Erica: “Eu sei! Vocês são os bons.”

(silêncio)

Erica: “But why doesn’t feel like that?” (tradução livre: mas porque é que não parece (que os policias sejam os bons)?

Na cena em que Erica se confronta com um conhecido mafioso o mesmo questiona “Quem és tu? És da polícia?”, a resposta da Erica: “Isso querias tu!”.

Entendo plenamente porque é que este filme já atraiu críticas, já o chamaram de racista e fascista, nomes utilizados pelo politicamente correcto para afastar os seus próprios fantasmas, o filme realmente demonstra duas situações com gangs étnicos, mas também não faltam criminosos caucasianos, portanto é inusitada a acusação de racismo.

Quanto a um cidadão achar que tem todo o direito de se defender e aterrorizar os criminosos que lhe enegrecem os dias…

5 Comments:

Anónimo said...

Adorei o filme, representação excelente de Foster e uma realização interessante de Jordan. A única peça que achei menos conseguida foi mesmo o final porque, não sendo politicamente correcto, foi extremamente óbvio e explorado em inúmeros filmes inferiores a este.

Dou-lhe 3,5/5, merecendo 4/5 com praticamente qualquer outra hipótese de final.

shark said...

Cá nos encontramos de novo, companheiro...

Flávio Gonçalves said...

Piotr:

Realmente o final já era de esperar, era lógico mas extremamente pouco original.

Shark:

Não te esqueças de escrevinhar também na outra casa =)

Anónimo said...

Já não chego prás encomendas, pá... :-)

perplexo said...

Chamar a um filme «politicamente incorrecto» como elogio pode ser aceitável quando se trate apenas de modismos sem apoio de princípios. Aqui parecem-me estar em causa alguns princípios de direitos humanos. O que distingue a posição expressa no filme da de qualquer extremista que, como auto-proclamado senhor da verdade e da certeza, se arvore em juiz supremo?