Sentou-se no seu terraço frente ao Tejo, olhando o horizonte, saboreando a brisa do fim da tarde, com tempêro de limonada. O Sol ziguezagueava como abelha junto ao rio, hesitando no mergulho, enquanto uns barcos passavam devagar e outros, timidamente, escondiam-se por detrás dos edifícios mais altos. Pelo chão, molas de roupa espalhadas tentavam, em vão, puxá-la para a pior parte da realidade – a própria realidade.
Nesse dia estava sozinha em casa – filhos no cinema, namorado longe, restante família por momentos esquecida. O tempo era todo e completamente seu. Tinha vestido algo tirado ao acaso do armário, estava descalça e trazia um chapéu que não encaixava com o resto – mas que importa, o tempo era mesmo todo e completamente seu.
Olhou à volta e, com a ponta dos dedos, começou por brincadeira a conduzir os pássaros através das árvores. E não é que eles seguiam os caminhos traçados, como se de um mapa de fogo se tratasse?
Entusiasmada, e agora apenas com um olhar furtivo, desviou os barcos para as rotas das especiarias e dos piratas (por inexperiência de navegação - nem sempre há a sorte de principiante - alguns chocaram contra os prédios vizinhos) tendo até, por momentos, ficado ao leme de um deles, o que mais transbordava de velas e cores.
O tempo passava parado e cada vez mais sentia o rio a envolvê-la, como um ventre de azul. Cada vez mais se sentia parte da ondulação, quase adormecendo embalada pelos ventos, alimentada pela maresia. E cada vez mais se desprendia do estendal que era a sua vida – corta cabeça, saca tripa, passa por água, mete na lata, corta cabeça, saca tripa, passa por água, mete na lata, corta cabeça, saca tripa, passa por água, mete na lata...
Sentou-se, então, numa nuvem feita de algodão doce, vendo passar os cavalos com asas de cêra, acabados de chegar das lendas que lhe haviam contado para adormecer, quando menina.
Sorriu. O Mundo era todo e completamente seu.
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